Da autoconfiança ao financiamento: desafios do empreendedorismo feminino em debate

A Entrepreneurs' Organization trouxe a Portugal centenas de empreendedores de todo o mundo para um ciclo de conferências em Cascais. O empreendedorismo feminino também esteve em discussão, com um painel de oradoras, nacionais e internacionais, que partilharam as suas experiências inspiradoras.

Winnie Hart, Rosemarie Andres, Chitra Stern, Cristina Fonseca e Céline Abecassis-Moedas protagonizaram o debate "Women in Enterpreneurship"

Quando a norte americana Winnie Hart era criança, a avó, soldadora de profissão, costumava dizer-lhe a ela e à irmã gémea: “Winnie, Laurie, o futuro são as mulheres. E vocês têm que achar o vosso lugar nesse universo.” Desde cedo, as duas irmãs se convenceram de que era preciso acatar o conselho e acabaram por fundaram a empresa de marketing e branding estratégico, TwinEngine. Hoje, Winnie é também a global board director da Entrepreneurs’ Organization (EO), organização internacional com mais de 13 mil membros espalhados por 188 núcleos em 58 países, cuja missão é dar aos empreendedores uma rede de networking e partilha de experiências capaz de promover a aprendizagem entre pares e de alavancar negócios. “A minha avó teve uma grande influência na minha vida, ao ensinar-me que sou capaz de fazer qualquer coisa. E uma das coisas que eu adoro na EO é o facto de mais de 1900 mulheres em todo o mundo acreditarem no mesmo e estarem dispostas a ajudar outras mulheres empreendedoras.”

Esta foi uma das histórias partilhadas na mesa redonda ‘Women in Entrepreneurship 2019’, uma das palestras que integraram, na tarde de 30 de maio, o programa da Entrepreneurs Organization University, a mega conferência organizada pela EO e que esta semana juntou largas centenas de empreendedores de todo o mundo no hotel Hotel Miragem, em Cascais. Além de Winnie, a mesa redonda centrada nos desafios do empreendedorismo feminino contou ainda com a presença das oradoras Rosemarie ‘Bubu’ Andres, empresária filipina fundadora da Candycorner e presidente da EO; Cristina Fonseca, fundadora da Talkdesk e partner na Indigo Capital, e Céline Abecassis-Moedas, dean da Católica Lisbon School of Business &  Economics, numa conversa moderada por Chitra Stern, empresária co-fundadora da Martinhal Family Resorts.

Se o futuro é mesmo das mulheres, aquelas que criam e dirigem negócios têm nele um papel de destaque e é preciso trazê-las para bordo de associações como a EO, acredita Miguel Santo Amaro, que preside ao capítulo português da organização e é também o fundador da Uniplaces. “Não temos ainda mulheres no capítulo português, mas esperamos que este evento sirva para vos expor ao networking e para que assim possam mergulhar no conceito da EO.” Uma ideia reforçada também por Pedro Janela, empresário e integration chair deste núcleo nacional. “Acreditamos que a melhor aprendizagem é feita com os nossos pares. Todos os meses passamos entre 3 e 4 horas a falar do que correu bem e mal nas nossas empresas, na nossa comunidade e família. Precisamos de mulheres nas nossas reuniões para que a conversa mude.”

O empreendedorismo aprende-se à mesa de jantar, em casa.” Rosemary ‘Bubu’ Andres, empresária filipina e presidente da Entrepreneurs Organization

Um dos denominadores comuns entre as oradoras é um espírito empreendedor que lhes foi passado pela família, logo nos primeiros anos. Ou como disse a Rosemarie Andres um dos professores da sua filha, quando a jovem ganhou um prémio de empreendedorismo no colégio que frequentava: “Comprovo agora algo em que sempre acreditei: que o empreendedorismo se aprende à mesa de jantar, em casa.” Enquanto o pai de Chitra Stern expôs as filhas, desde cedo, à influência de role models como Indira Ghandi ou Margaret Thatcher, os pais de Cristina Fonseca foram os grandes responsáveis pela sua vocação pela engenharia. “Queriam que eu fizesse aquilo que eu achava certo para mim, mas, ainda assim, tanto o meu pai como a minha mãe sempre foram muito proativos. Se alguma coisa avariava em casa, a minha mãe não ficava à espera que o meu pai arranjasse. E o meu pai, que sempre teve o hobbie de renovar carros antigos, sempre me envolveu nessas tarefas – era praticamente mandatório. Por isso cresci sem fazer a distinção entre o que seria, supostamente, um trabalho masculino ou feminino. Percebi que o meu cérebro funcionava como o de um engenheiro e que era para esse curso que deveria ir.”

“Os homens falam da visão do negócio, as mulheres daquilo que já têm”

Céline Abecassis-Moedas não é empreendedora, mas estuda os seus protagonistas enquanto académica. “Estudámos chefs de cozinha, grande parte dos quais empreendedores, e quisemos saber o que faz deles inovadores e bem sucedidos, analisando aspetos tão diferentes como a escola em que estudaram ou o local onde estagiaram. Descobrimos que a escola tinha um impacto zero, mas o que fazia realmente diferença era o facto de os pais serem ou não empreendedores nesta área de negócio. Acredito que ainda há muita coisa que podemos ensinar nas universidades e que ali também se pode fazer um bom trabalho em detetar as pessoas certas para empreender.”

“Por cada dólar de financiamento concedido para negócios, apenas 1 cêntimo vai para uma start-up fundada por uma mulher. As mulheres que existem nesta área não têm tanta visibilidade e se as jovens estudantes quiserem empreender não têm role models em quem se inspirar”, Céline Abecassis-Moedas, dean da Católica Lisbon School of Business and Economics

Essa foi também a razão que levou o Centro de Inovação Tecnológica e Empreendedorismo (CTIE) da Católica School of Business & Economics a criar um prémio de empreendedorismo feminino. “Há poucas mulheres a empreender e as aquelas que existem não têm acesso ao mesmo financiamento – por cada dólar concedido para negócios, apenas 1 cêntimo vai para uma start-up fundada por uma mulher. As mulheres que existem nesta área não têm tanta visibilidade e se as jovens estudantes quiserem empreender não têm role models em quem se inspirar.”

“Quando pedem financiamento, os homens falam da sua visão, daquilo que vão fazer. Grande parte disso não é sequer real. A mulher vai falar daquilo que já tem hoje – e sentem-se desconfortáveis em falar de tudo aquilo que escape a essa lógica.” Cristina Fonseca, fundador da Talkdesk e partner da Indigo Capital

Na Indigo Capital, Cristina Fonseca sabe que o problema começa na base da captação do talento. “Queremos mesmo investir em mais mulheres fundadoras mas há um problema no pipeline, que é similar a tentar contratar mais engenheiras, porque há muito poucas mulheres ainda. O que tentamos fazer é trabalhar com mulheres fundadoras em estágios mais iniciais do negócio, para que possam manter-se no caminho certo e ter aquilo que é preciso para, mais tarde, angariarem financiamento. Mas, de uma forma genérica, a atitude de homens e mulheres que pedem financiamento é diferente: eles falam da sua visão, daquilo que vão fazer. Grande parte disso não é sequer real. A mulher vai falar daquilo que já tem hoje – e sente-se desconfortável em falar de tudo o que escape a essa lógica. Muitas vezes, para o financiamento importa a forma como os negócios são apresentados.”

As perguntas que os investidores fazem a homens e mulheres empreendedoras, nesse momento, são também diferentes e as pesquisas já o provaram, lembra Céline Moedas. “Atributos que são vistos como positivos nos homens, são entendidos como negativos nas mulheres.”

As mulheres são tão perfecionistas que demoram muito mais a submeter o seu plano a aprovação para terem financiamento.” Chitra Stern, co-fundadora da Martinhal Family Resorts

Chitra Stern lembrou ainda outra questão a melhorar nesta matéria. “Antes mesmo de se receber seja o que for, é preciso pôr o plano de negócios em marcha. E as mulheres são tão perfecionistas que demoram muito mais a submeter o seu plano a aprovação para terem financiamento.” O trabalho de preparação  para que mais mulheres possam vingar no mundo dos negócios tem de começar cedo, lembrou Winnie Hart, ainda na escola, com estratégias que ajudem as raparigas a desenvolver a autoconfiança e capacidade para fazerem apresentações, desenvolvendo as suas aptidões para falar em público ou envolvendo-as em aulas de teatro, por exemplo.

Oportunidade em tempos de crise

As culturas onde a solidariedade e o apoio comunitário são mais fortes têm também tem um papel de relevo no sucesso das empreendedoras. Rosemarie Andres, que aos 29 anos se juntou à organização, é um exemplo inspirador disso mesmo. Estava ela em processo de expansão do seu negócio quando um incêndio lhe destruiu um investimento recente, sem que a seguradora cobrisse o prejuízo. Foi a comunidade local e as suas redes de contacto que a ajudaram a reconstruir. “Na cultura filipina, ajudamo-nos em comunidade, apoiamo-nos e levantamos a moral uns dos outros sem esperarmos nada em retorno. Por isso, este ano partilhei na EO esta parte da cultura flilipina, de intercâmbio e apoio sem esperar qualquer recompensa, porque acho que esse conceito traduz o espírito da organização.”

[Entrar na EO] ensinou-me a pedir ajuda e fez de mim uma pessoa melhor e mais bem sucedida.” Winnie Hart, fundadora da Twin Engine e  global board director da Entrepreneurs Organization (EO)

Para Winnie Hart, natural de Nova Orleães, nos EUA, as provações também fizeram parte do percurso empreendedor, na missão de apoio à sua comunidade, quando furacão Katrina assolou a sua cidade. “Fui desafiada a entrar na EO há 15 anos e, no início, tinha sentimentos ambivalentes sobre isso porque achava que não tinha tempo. Quando me decidi, a primeira palestra a que assisti, numa sala como esta, tinha o título ‘Da crise nasce a oportunidade’. Mal eu sabia que a minha cidade estaria debaixo de água 48 horas mais tarde, que eu perderia 75% do meu negócio e que pessoas iriam morrer. Foi uma altura muito difícil para mim. Eu não conhecia ninguém na EO então, mas entrei em contacto com pessoas de diferentes cidades e pedi-lhes apoio. Foi a melhor coisa que fiz, porque me ensinou a pedir ajuda e fez de mim uma pessoa melhor e mais bem sucedida.”

Um prémio para jovens empreendedoras

As três jovens empreendedoras tech. Ana (ao centro) ganhou um pequeno financiamento.

A tarde de conferências e networking feminino não terminaria sem um cocktail da comitiva portuguesa da EO, onde se destacou o trabalho de três jovens empreendedoras: Joana Rafael, co-fundadora da Sensei Tech, uma solução que alia a tecnologia à indústria do retalho para criar lojas onde o dinheiro e os check-outs não sejam necessários, registando as atividades de compradores e o inventário de produtos; Romana Ibrahim, que fundou a Keep Warranty, uma app que regista faturas, avisando o consumidor de que o final das garantias se aproxima e que já oferece também uma gama de outros serviços, como extensões de garantia e seguros; e Ana Pinto, co-fundadora da Reckon.ai e que foi a vencedora do prémio de empreendedorismo feminino no valor de 500 euros atribuído pelo capítulo português da organização. A Rockon.ai é uma solução tecnológica, também ela baseada em algoritmos e inteligência artificial, que ajuda os retalhistas a monitorizar a concorrência, em termos de preços e de oferta de produtos, e que até já está a trabalhar de perto com um dos grandes players do setor do retalho.

Um dia cheio de novas aprendizagens entre empreendedoras, que terminou bem rematado por um jantar no Martinhal Resort de Cascais.

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