Diana Castello Branco está há nove anos no Ritz Four Seasons Hotel Lisboa como diretora de Marketing e Comunicação. Em março de 2020 acabava de assumir funções internacionais como diretora de Comunicação para a região EMEA quando aconteceu o primeiro confinamento. O roadmap que tinha para conhecer as suas novas equipas ficou desatualizado, e de repente tinha equipas para gerir em três fusos horários — o que ainda hoje se mantém. Neste entrevista, Diana Castello Branco explica os principais desafios e as aliciantes de trabalhar numa cadeia internacional de hotéis.
Assumiu novas responsabilidades em março de 2020. Qual o impacto que a pandemia teve nesta mudança na sua carreira?
No início da pandemia fomos confrontados com um cenário de risco e de grande indefinição, onde ninguém sabia sobre a verdadeira dimensão do problema. Na altura, estava a completar seis anos na Four Seasons, onde ocupo a posição de diretora de Comunicação do Ritz Four Seasons Hotel Lisboa. Pouco tempo antes de se confirmar o primeiro caso de Covid-19 em Portugal, eu tinha assumido cumulativamente, uma nova posição regional na Four Seasons que consiste em supervisionar a comunicação dos hotéis da companhia na EMEA. Era um novo desafio profissional, estimulante e bastante exigente, que passa por trabalhar 40 hotéis diferentes, distribuídos pelo continente europeu, Médio Oriente e Africa. Uma posição profissional que pela sua natureza, obrigaria a conhecer no imediato cada um dos mercados, criar relações de proximidade com as diferentes equipas e acompanhar no terreno a operação. Ou seja, nesta altura já tínhamos um roadmap com várias ações planeadas que implicariam muitas deslocações internacionais com objetivos bem definidos.
Com o primeiro confinamento o cenário mudou por completo. Inicialmente, fiquei perplexa, mas tomei de imediato consciência que não havia tempo para hesitações. Portanto, no meio de tantas dúvidas, gere-se uma crise sem precedentes, trabalha-se o triplo do tempo. Se por um lado a prioridade era a segurança de toda a equipa, ao mesmo tempo tinha em mãos a tarefa de redefinir estratégias de negócio com base numa enorme incerteza. A hotelaria é um setor feito de pessoas para as pessoas, onde nunca tinha existido alternativa à proximidade física de todos os intervenientes.
Como foi gerir as novas equipas à distância?
Gerir diferentes equipas espalhadas por todo o mundo, todos fechados e a trabalhar a partir de casa, foi um desafio colossal, enaltecido com as preocupações pessoais referentes à família, sobretudo do meu filho que tinha apenas 3 anos. O trabalho passa a cruzar-se inevitavelmente com a dinâmica familiar. Passo a acordar três horas mais cedo para fazer calls, aproveitava a sesta do meu filho para fazer outras e o dia de trabalho passa a ter horários indefinidos. Por exemplo, para além do hotel em Lisboa, onde estou sediada, tenho dotted-lines no Dubai e em Toronto, onde é o Home Office da Four Seasons. À hora de almoço em Lisboa, no Dubai ainda não é fim de dia e em Toronto eles estão a acordar. Esta é aquela altura em que não podemos gerir os diferentes fusos horários, mas apenas adaptarmos a cada um deles.
“Lançámos o nosso restaurante CURA em plena pandemia”
Quais as principais aprendizagens que fez neste período?
Apesar dos desafios profissionais e pessoais, desde o stress inicial à adaptação desta nova realidade, retiro aspetos positivos. A pandemia veio quebrar muitos tabus na forma de trabalhar nomeadamente na capacidade de gerir equipas, e na coordenação multidisciplinar dos diferentes intervenientes. A verdade é que passado dois anos nenhuma operação caiu, conseguimos reforçar o posicionamento de algumas unidades, abrindo inclusivamente novos hotéis. A esta distância posso afirmar que foi determinante ter a cultura Four Seasons e com isso ter agido rapidamente, nomeadamente repensado as estratégias de comunicação nos diferentes mercados. As equipas mobilizaram-se de forma exemplar o que nos permitiu navegar com sucesso na onda da incerteza perfeita.
Todavia, os cenários foram diferentes de região para região. Por exemplo, o nosso hotel em Atenas e as unidades do Dubai estiveram com a ocupação a 100% durante quase todo o período da pandemia. O mesmo não se verificou noutros hotéis como foi o caso de Portugal e Itália. Hoje é mais fácil analisar as circunstâncias destes anos labirínticos que nos obrigaram a encontrar diferentes saídas. Os desafios foram constantes, nunca parámos e fizemos sempre por acontecer. Do ponto de vista pessoal, a companhia permanente do meu filho foi sem dúvida muito importante, um apoio emocional e que me proporcionou momentos únicos que nos marcará para sempre.
Qual a sua missão como diretora regional de Comunicação e Relações Públicas?
Para além das responsabilidades de direção de Marketing e Comunicação no Ritz Four Seasons Hotel Lisboa, onde estou fisicamente, trabalho com os hotéis da região nomeadamente os que pertencem ao continente Europeu, Médio Oriente & Africa. Este trabalho passa pela definição e implementação das estratégias de comunicação em cada uma das unidades. Para além disso, acompanho muito proximamente as novas aberturas e remodelações, e sou responsável por várias campanhas regionais digitais. Sou também quem coordena a formação dos novos diretores de comunicação das diferentes unidades. Por fim, faço a ligação de todos os envolvidos com o Home Office da Fours Seasons, em Toronto.
Que novas oportunidades surgiram com dois anos de pandemia?
O nosso hotel felizmente desde sempre que é muito acarinhado pelos lisboetas. Um legado que vem de geração em geração. Para muitas famílias portuguesas, o Ritz é um ponto de encontro, seja para almoço ou jantar nos nossos restaurantes. Para além disso, alguns dos quais optaram durante este período por ficar de vez em vez aqui hospedados. A razão foi simples. Não se podia viajar para fora e nós criámos programas especiais para a comunidade local poder disfrutar cá dentro de um ambiente próximo de uma viagem, proporcionando sobretudo serviço. Para nós foi muito importante até porque os clientes de outros mercados alvo como EUA, UK e Brasil não nos conseguiam visitar. Foi também uma forma de sentimos o verdadeiro apoio do mercado local. O que veio reforçar a ideia de que a hotelaria não é só para quem vem de fora do país mas também um espaço que deve ser pensado para as comunidades locais. De tal forma assim pensamos que optamos por lançar o nosso restaurante CURA em plena pandemia e que teve o desafio de abrir portas no hotel mais icónico da cidade. As expectativas eram muito elevadas, mas o Pedro Pena Bastos, o chefe escolhido para liderar este novo projeto do hotel, esteve perfeitamente à altura e juntamente com a equipa trouxeram a primeira Estrela Michelin, ao mesmo tempo em que o restaurante celebrava o seu primeiro ano de existência. Foi muito gratificante para todos. E sem dúvida um motivo para celebrarmos.
Este período foi também uma oportunidade para re-inventar e consolidar algumas áreas de negócio que anteriormente tinham menos relevância, como por exemplo o Ritz Delicatessen, o nosso serviço de Take Away que teve muito sucesso durante a pandemia mesmo para ocasiões mais especiais como a Páscoa e o Natal.
A nível global, se a questão de higiene e limpeza sempre foi primordial na hotelaria de luxo, com a pandemia ficou ainda mais acentuada. A Four Seasons lançou a iniciativa Lead with Care em parceria com o Johns Hopkins Medicine International que foi muito bem recebida e deu a confiança aos nossos hóspedes para regressarem mais rapidamente aos nossos hotéis.
A app da Four Seasons também ganhou novo protagonismo. Os clientes tornaram-se ainda mais adeptos porque nela é muito fácil solicitar os diferentes serviços, nomeadamente os relacionados com room service, encomendar o pequeno almoço para o quarto por exemplo, ou pedir uma reserva no spa ou num restaurante, uma wake up call… e os clientes não estão a falar com um bot, mas sim uma pessoa da Four Seasons, na língua de sua preferência.
“Na hotelaria nem sempre é fácil encontrar o talento certo para o sucessor ideal”
Quais os principais desafios que enfrenta hoje na sua área?
No Marketing e Comunicação, o desafio é sem dúvida no universo digital. Uma área que está em constante evolução e que ano após ano representa uma maior fatia do orçamento de marketing de cada hotel.
A nível da companhia, talvez a sucessão e o crescimento. Na hotelaria sempre existiu grande circulação de capital humano e nem sempre é fácil encontrar o talento certo para o sucessor ideal. E com as aberturas de novos hotéis e residências, o que por sua vez é muito positivo para a companhia e para todos, não deixa também de ser um desafio arranjar profissionais qualificados, e que encaixem no ”espirito Four Seasons” para assumir certas posições-chave. A sazonalidade a nível de staffing e recrutamento têm também na sua vertente um grande desafio associado. Como devem os hotéis que estão abertos apenas alguns meses por ano recrutar? Como reter? Como dar a formação?
A flexibilidade e a natureza híbrida de algumas equipas, nomeadamente no Marketing, Comunicação, Revenue e Vendas também se tornou num fator mais relevante, mas no contexto de hotelaria onde as posições funcionais têm de estar in-loco nem sempre é fácil encontrar o equilíbrio ideal para todos.
O que têm em comum e o que têm de diferente os mercados que tem agora sob a sua responsabilidade?
Têm em comum o facto de serem todas propriedades de luxo. A Four Seasons tem uma cultura muito vincada e muito focada para o luxo e o serviço exemplar e isso verifica-se em todos os hotéis e resorts pelo mundo fora apesar da geografia. Na Four Seasons, acreditamos em reconhecer um rosto familiar, acreditamos que o mais importante é criar impressões que ficarão com os nossos hóspedes toda uma vida e esta filosofia também vai além-fronteiras. Os mercados em si, esses são perfeitamente dispares. Se olharmos para a região EMEA basta olhar separadamente para os hotéis da Europa, Médio Oriente e Africa. Enquanto Lisboa e Madrid, Paris e Londres podem ter algumas semelhanças por serem hotéis de cidade em capitais europeias, se pensarmos no Serengeti e no Dubai por exemplo, ou Abu Dhabi e Sharm El Sheik, é fácil imaginar as discrepâncias. O único fio condutor? As pessoas. A cultura da empresa. O serviço ímpar e sem igual.
“Organizo a minha agenda ao domingo à noite para que a semana seja controlada”
Quais os maiores desafios de gerir vários mercados à distância?
Nada substitui o contacto presencial, mesmo que este seja pontual. Dou formação aos diretores de Comunicação e managers que se juntam à Four Seasons na nossa região, e sinto que é bastante mais difícil criar engagement em calls com apresentações powerpoint,vários manuais, análises e reporting… com vários participantes ao mesmo tempo, todos eles com realidades muito diferentes, do que em sessões one-on-one presenciais, onde falamos um pouco sobre o background de cada pessoa para adaptar a formação a cada um e dedicar mais tempo a áreas menos fortes, e aos desafios que cada hotel e resort podem trazer. Felizmente, temos ferramentas de avaliação e reporting bem delineadas o que torna mais fácil a gestão dos hotéis mesmo à distância, no entanto há algumas lacunas, claro. Também considero que conhecer as equipas pessoalmente em cada hotel ao “vivo” tem muitas mais valias. Na nossa região ainda me faltam descobrir alguns!
Que vantagens destaca em trabalhar numa cadeia como a Four Seasons?
São tantas. Nos tempos pré-pandemia tínhamos reuniões globais com todos os diretores de Comunicação e Marketing, e dava por mim a pensar na sorte de poder trabalhar rodeada de profissionais exemplares, pessoas com uma grande cultura, interessantes e estimulantes do ponto de vista intelectual, hard-workers, bem dispostas e claro conhecedoras do mundo. A Four Seasons é uma people company, sem dúvida. Com uma golden rule, que sempre foi a minha também: tratar os outros como gostaríamos de ser tratados. Para além disso, temos o privilégio de trabalhar com hotéis e residências de luxo pelo mundo fora, propriedades singulares e míticas como o Four Seasons Astir Palace Hotel Athens, o Four Feasons Hotel George V, Paris, o Four Feasons Hotel London at Ten Trinity Square, Grand-Hôtel du Cap-Ferrat, a Four Feasons Hotel, brevemente o icónico Hotel Danieli em Veneza, já para não falar nos nossos hotéis em Megeve, nas Maldivas, Marrocos, Bali, Sydney, Tokyo, New York, Anguilla, Hawaii… E temos “x” noites de estadia por ano consoante a antiguidade na empresa, em qualquer hotel da Four Seasons à nossa escolha – entramos numa plataforma e fazemos a marcação diretamente. É um perk muito bem recebido.
Que características e skills são necessárias para ser a melhor na sua função?
Ser muito focada e organizada. Organizo a minha agenda ao domingo à noite para que a semana seja controlada. Desta forma já sei no essencial ao que vou e ajuda-me também a estar mais organizada para resolver as situações inesperadas. Tenho a sorte de ter um braço direito muito forte no hotel em Lisboa, a Catarina Mendonça, que me deixa descansada com vários temas porque sei que é muito organizada e perfeccionista também. Para além disso, tenho várias calls regulares de acompanhamento, e estou sempre disponível para o que for necessário. Há muitos temas que surgem e que não estavam previstos e é preciso adaptar. A flexibilidade também é muito importante, porque trabalho diariamente com 3 time-zones diferentes: Lisboa, Dubai e Canadá, assim como a supervisão constante do domínio digital, não só redes sociais, mas também as campanhas google, emailings, insights da Four Seasons app e do website da Four Seasons, e acompanhamento das tendências nos nossos mercados alvo. O trabalho é sobretudo de equipa e nisso temos todos a sorte de estar inseridos numa rede com pessoas muito competentes, apaixonadas pela marca e pela hotelaria.
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