A verdade na liderança

Quantos de nós já assistimos a discursos e conversas de líderes e chefias em que as palavras diziam tudo o que devia ser dito, mas soavam a falso? A sensação de que nos estão a esconder alguma coisa, ou que não acreditam no que estão a dizer, ou que as suas motivações não são as mais sinceras? Esta intuição vem de micro sinais, tiques, tons, esgares, trejeitos, que o próprio não consegue disfarçar, por muito treino que tenha. Na prática, o nosso corpo reage instintivamente quando não dizemos a verdade – o nosso batimento cardíaco aumenta, a boca fica seca, a nossa mente apercebe-se e tenta controlar todas estas alterações corporais e deixa de assistir a pequenos e curtos movimentos que nos denunciam, como sorrisos nervosos, pescoços que se esticam, olhos que se desviam do interlocutor, o tom de voz que se altera.

Para mim, a mentira num líder é o maior erro que este pode cometer.

Mesmo que algumas vezes esta surja com preocupações de não criar o pânico, a realidade é que, na maioria das situações, uma chefia que mente está a esconder motivações próprias ou falta de autoconfiança. Não pensa no bem comum, mas sim no seu próprio proveito. No que pode ganhar com essa manipulação da verdade ou no que não revela de si mesmo com ela. E, para quem não tem preparação, como muitos dos nossos dirigentes, nota-se. E, assim sendo, é muito mais fácil que a mensagem não passe, não inspire confiança e desmascare o locutor.

Trabalhei e trabalho com muitos diretores gerais e gente de responsabilidade. As vendas dão-nos uma coisa – experiência a ler o outro. Continuo a ser manipulada, mas já consigo perceber que o fui ou que o estou a ser. E a ver para além disso. A perceber. Quando se têm certas conversas mais vulneráveis e nos tentam apaziguar com discursos motivadores forçados, mas lhes foge o pensamento para um esgar de um sorriso nervoso, por exemplo.

Também já encontrei chefias com as quais não me revi no discurso nem no modo de trabalho. Com as quais não concordei, aprendendo a viver com isso ou a tomar outro rumo. Mas que sempre foram verdadeiros, duros e diferentes das minhas convicções, mas honestos com a sua crença do que achavam ser o melhor. E assim mereceram o meu respeito.

Porque é isso mesmo que se quer: perceber que a motivação das palavras é o bem comum, valores mais altos que os seus próprios, razões aparentes e genuínas que se convergem. Discurso verdadeiro, muitas vezes difícil. Muitas vezes sem contar a história toda, mas a necessária e suficiente para manter o respeito e a confiança.

A verdade na liderança não se consegue treinar. Vem do mais profundo sentido de comunidade, de serviço pelo outro, de valores morais elevados, de acreditar com convicção no caminho a seguir. Obriga-nos a revelar a nossa vulnerabilidade e tornar-nos sujeitos à crítica e ao julgamento. É difícil e é solitário. A integridade que vem da verdade do discurso muitas vezes tem um preço. Mas, no limite, deixamos na memória dos outros a coragem e o respeito que inspiramos e, com alguma sorte, a missão cumprida. Sem manipulações, silêncios ou discursos fabricados, esgares, sorrisos nervosos e trejeitos que desmascaram.

 

Inês Brandão é fundadora e Global Business Manager da Frenpolymer. Leia mais artigos da autora aqui

Publicado a 01 Julho 2021

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