Tempo para pensar

Há 6 semanas comecei um plano de recuperação pós-parto com uma fisiologista do desporto. Apesar do foco ser o exercício físico, este programa é bastante amplo, havendo todas as semanas um webinar onde se discutem vários temas. Num desses webinars, a Mafalda (fisiologista), perguntou quanto tempo é que nós, mães, podíamos dedicar por dia à recuperação física pós parto. A resposta foi consensual: se os treinos forem entre 15 a 30 minutos, a gestão do tempo e da atividade física é possível.

Apesar desta pergunta ser focada no tempo que poderíamos dedicar por dia ao exercício físico, houve outra que se formou na minha cabeça: “quanto tempo é que eu preciso por dia para recuperar, física e mentalmente, do pós-parto?”. A resposta é um número totalmente irrealista, eu própria disse, talvez egoísta, mas seriam duas horas. Se eu pudesse, teria duas horas do dia dedicadas a mim. Nunca pensei que a licença de maternidade fosse tão desgastante. Sabia que a recuperação física poderia levar tempo, mas é na parte mental que encontro o maior desafio. A cabeça está em constante alerta. Os dias correm em ciclos de três horas e, entre cuidar de um bebé e cumprir com as tarefas básicas, sinto sempre que não tenho tempo para nada. Em jeito de desabafo, disse à Mafalda que o que me faltava era tempo para pensar. Nos últimos quatros meses, não sei quando é que consegui efectivamente sentar-me a pensar. Aproveito as sestas para escrever (digamos que na maior parte das vezes, para sobreviver), ou os passeios na rua para ouvir um podcast, mas entre o cansaço e o estado de alerta constante, o tempo livre (que na verdade não é assim tão livre) deixou de ser para pensar. Já sei que é só uma fase e que passa a correr, mas há uma desvalorização tão grande das mães enquanto pessoas, que deixo aqui o meu desabafo – deixem as mães pensar! E já que duas horas por dia é impossível, talvez uma vez por semana? Até vos dizia que ia pensar no assunto, mas como já perceberam, não tenho tempo para pensar!

 

Ana Cadete @ncscientist é cientista em Boston. Doutorada em Nanomedicina e Inovação Farmacêutica, foi viver para os EUA em 2016 para fazer o seu postdoc no MIT. É atualmente Project Leader na área de produção de vacinas de RNA mensageiro no mRNA Center of Excellence da Sanofi e a fundadora da The Non-Conformist Scientist (NCS), uma associação sem fins lucrativos que tem como objetivos partilhar conhecimento científico a nível global, impulsionar a carreira dos cientistas e motivar mais mulheres na ciência a serem líderes. 

 

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Publicado a 28 Junho 2024

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