Saudades do futuro

Lembro-me bem deste dia há dois anos. O meu filho fazia anos, tínhamos cancelado a festa, ainda almoçamos com os avós, contra indicação médica. A incerteza reinava. O medo espreitava. E nós tentávamos celebrar um dia feliz, como podíamos, com bolo de panquecas ao pequeno-almoço, as primeiras chamadas de vídeo com os amigos para contrariar o desânimo, a tal refeição com a família chegada, quase às escondidas.

Depois, fizemos as malas a correr e fugimos para a nossa casa no interior. Eu, ao entrar no meu quarto, senti um aperto no peito “e se nunca mais voltar à América do Sul?…”. Nem era a viagem em si, era tudo o que representava a nível profissional, movimento, liberdade. O fim do Passado.

Chegavam máscaras da China, enviadas com amizade dos parceiros que levavam a pandemia uns meses à frente. E que só não eram consideradas clandestinas porque os custos de desalfandegamento foram uma fortuna. Dividiam-se irmãmente entre família e racionavam-se para durarem mais.

Os dias passavam a caminhar à volta da casa, a falar com o Mundo todo. E tudo parado. Tudo. Em todo o lado. O tremor das vozes, o silêncio, algumas lágrimas.

Foram dois meses em que não se sabia se os negócios iam voltar, como iam ser feitos. As matérias-primas desceram a preços históricos. Mas ninguém comprava.

Não se via futuro. Não se imaginava futuro. E isso assustava.

No início deste ano, tudo parecia querer normalizar. Entre picos de infeções e gente em casa, outra vez, a esperança reinava. O mercado mexia, mesmo já com sinais de aumentos de custos energéticos. Ainda não tinha ido à América do Sul, mas a previsão era de um ano com uma agenda recheada. Muito trabalho, muito esforço, mas Futuro. O Futuro do qual tínhamos saudades.

E eis que começa a guerra na Europa. A fuga de milhões de refugiados. O medo de um desastre nuclear. A incerteza geopolítica, os jogos de bastidores, novamente o controlo da informação que nos entra em casa.

Estamos tristes. Estou triste. Mas, não sei bem porquê, não tenho medo.

O ser humano tem uma capacidade de adaptação fabulosa. Estes dois anos de pandemia deram-nos ferramentas de sobrevivência. Sei que havemos de recuperar. O pior, que pode acontecer, nem me passa pela cabeça. Aproveito cada minuto, cada negócio, cada viagem, cada restaurante novo que conheço. Até os dos aeroportos.Recomecei as reuniões com clientes e os almoços de trabalho e ando contente. Mesmo pairando em mim uma sombra pela guerra, tenho de continuar.

Não me permito não ver Futuro. Cansei-me de ter saudades dele. Do Futuro.

Está à minha frente e eu continuarei a correr atrás dele.

 

Inês Brandão é fundadora e Global Business Manager da Frenpolymer. Leia mais artigos da autora aqui

Publicado a 15 Março 2022

Partilhar Artigo

Parceiros Premium
Parceiros