Que nunca deixemos de nos espantar

Esta semana fiz um tour pelos meus maiores clientes europeus. Não são só as bandas rock e pop que o podem fazer, acreditem. Eu também! Países Baixos, Alemanha, Finlândia, França. Todos eles, os meus clientes, com instalações maravilhosas, edifícios magníficos, uns aproveitando a traça antiga, outros totalmente modernos, sustentáveis, cheio de luz. Pareço sempre uma criança quando entro nestes sítios, mesmo já não sendo a primeira vez. Olho para cima, para os lados. Tiro fotografias do lado de fora, porque lá dentro deve ser proibido e eu tenho vergonha de perguntar. Mas não deixo de me espantar.

Então, nestes dias, e numa destas organizações multinacionais, terminada uma reunião de 3 horas, o meu interlocutor abre a porta e eu ouço, ao longe, um piano a tocar. Não era música vinda de uma coluna, parecia mesmo alguém sentado a um piano. À medida que nos aproximávamos do restaurante do centro industrial, o som ia ficando mais perto, até que vejo um piano de cauda. E uma pessoa (soube depois que é um colaborador da empresa), a mostrar a sua magnificência musical.

O piano está ali para quem quiser tocar, e fazem-no muitas vezes. Talvez por isso, eu era a única pessoa, no meio de todas as que iam passando, a parar maravilhada com o espetáculo. Para mim, oferecer música ao vivo, gratuitamente, é a maior das generosidades. Estava maravilhada e grata, portanto.

Expliquei a quem me acompanhava quão sensível sou a estas pequenas coisas e a sorte que eles tinham por trabalhar naquele ambiente. Com as rotinas, os cansaços, as urgências e os prazos, esquecemo-nos de olhar para as coisas como se fosse a primeira vez. Deixamos de nos espantar. Mas é uma sensação tão boa. Traz uma boa energia e ensina-nos a notar o quão bonito o mundo pode ser.

Naquilo que faço, conta muita coisa para mim. Não apenas a função em si, mas como sou tratada e as pequenas coisas que recebo, muitas vezes até menorizadas por quem as oferece. Procuro não deixar de reparar nelas. De fazer perguntas e de ser curiosa.

Os locais onde trabalhamos, o ambiente, os horários, o companheirismo. Mas também os “pianos ao vivo” que surgem de surpresa. A vista bonita da sala do pequeno-almoço, o dia quente quando se esperava chuva, o aeroporto renovado, o empregado que se lembra da mesa onde jantei e me senta na mesma no café da manhã. O nome da cidade que dá nome à empresa e eu não sabia. Entrar no quarto e a televisão estar ligada com uma mensagem de boas-vindas com o meu nome. Embarcar meia hora mais cedo num voo que se previa muito atrasado. O pôr-do-sol visto do ar e todos os seus tons rosa e laranja. Perceber que faço anos no mesmo dia de uma cliente e por isso gostamos as duas tanto do Outono. Oferecerem-me café expresso num país de café americano.

Tento aproveitar tudo. Valorizar tudo. Não deixar de me espantar sempre que posso. Espero que vocês também.

“É proibida a entrada a quem não andar espantado de existir”, em As Aventuras de João Sem Medo, de José Gomes Ferreira

 

Inês Brandão é fundadora e Global Business Manager da Frenpolymer. Leia mais artigos da autora aqui

Publicado a 21 Setembro 2022

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