Pequenos atos de bondade

Dos maiores pequenos atos de bondade que já testemunhei aconteceram no autocarro que apanhava de e para a faculdade. Desde adormecer e encostar-me à senhora que vinha ao meu lado, que não se mexeu até eu acordar sozinha e comentou a sorrir quando o fiz “muitas aulas e estudo, não é?” E eu, envergonhada, agradecia e pedia desculpa. Até às pessoas que me seguravam as pastas quando ia de pé, agarrada ao varão, para não cair no para-arranca da hora de ponta. Ou o motorista que nos deixou entrar de graça no dia em que roubaram a carteira da minha mãe e não havia outra maneira de chegar a casa (não havia telemóveis) e o senhor simpático que me deu um porta chaves que era uma boneca para me animar.

Destes pequenos atos de bondade ficou a memória do ato em si. Não me lembro da cara das pessoas, mas recordo-me bem do calor que me fez sentir. Como se, por momentos, eu era vista e notada. O pequeno ato tornou-se maior que o resto. Porque era, de facto, grande.

Hoje, tento guardar outros momentos a que vou assistindo de fora. Atos que não são para mim, mas que me trazem o mesmo conforto. A minha cabeleireira que compra as meias que não precisa ao senhor que toda as semanas lhe aparece na loja. O meu colega que não deixa o lixo que fez no carro do outro e o arruma antes de agradecer a boleia. O meu amigo que, estando ao lado de casa, foi levar a colega do filho ao outro lado da cidade para ela não ir sozinha de Uber, perdendo uma boa hora de sono. O rapaz que recebe a cantar o carro que alugamos e ajuda toda a gente a tirar as malas da bagageira, deixando um ambiente mais alegre no parque de estacionamento do aeroporto, onde o vento frio sopra por todos os lados.

Tantos, tantos, tantos.

Nesta época natalícia, mais do que os atos de bondade que possamos fazer (e não deixemos de fazê-los!), tenhamos noção dos que presenciamos. Notemos o outro: o que recebeu o momento e o que o criou.

Porque o mundo tem mais gente boa do que imaginamos. Por muito que nos queiram fazer sentir o contrário, não gira tudo ao redor do lucro, do poder, da aparência, da polarização.

A Humanidade ainda está no ombro onde deixamos alguém descansar, nos braços onde seguramos uma ajuda, na pequena ajuda monetária a alguém aflito.

Se nos dermos mais vezes conta disso, não deixaremos que tudo o resto nos domine.

E, talvez, um dia triste e pequeno, se torne grande e memorável.

 

Inês Brandão é fundadora e Global Business Manager da Frenpolymer. Leia mais artigos de Inês Brandão.

 

Publicado a 12 Dezembro 2024

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