O tempo e o Tempo

O tempo em Lima é enevoado durante praticamente todo o ano. Com uma neblina húmida que não deixa ver o horizonte do Pacífico. Mas, da última vez que lá estive, lembro-me bem, tirei uma fotografia e tudo, estava um dia de sol aberto e eu vi o oceano até ao fundo da linha que divide a terra do mar.

Diante deste dia cinzento (no dia em que escrevo), lembrei-me da conversa fascinante que tive com o professor de História dos Oceanos que veio ao meu lado no avião nessa viagem. Uma das imensas considerações que ele fez foi que perdemos muito tempo no presente. Que não nos lembramos do passado e, por isso, não percebemos do que seremos capazes no futuro. Não o escrevemos e não o controlamos.

A vida é muito como estas duas coisas: o tempo em Lima e o Tempo do professor.

O presente é, normalmente, nublado — não vemos para além do imediato. Andamos cansados, com fome, chateados, preocupados com as rotinas. Sabemos o que nos embacia o olhar, a razão do nevoeiro, mas nem nos lembramos de que a realidade é outra. Para além da bruma, existe mais qualquer coisa.

Até ao dia em que se abre o céu. Alguma coisa ou alguém faz-nos cair em nós. E reparamos na água toda. O oceano inteiro. Até ao horizonte. Até porque, algures no passado, a gente até o viu, se calhar até o nadou, surfou e nem se lembra se estava frio ou calor, se a água era revolta ou sem ondas. Só se lembra que o fez.

A questão que se põe, então, é esta: o horizonte está lá. E é lindo. Sabemos que é impossível de alcançar, porque ele se move. E já tentámos. Mas, na tentativa, até fizemos umas coisas giras, crescemos, ficamos maiores.

Temos de olhar para a cicatriz para nos lembrarmos dela porque já não dói.

E então? Lançamo-nos à água e tentamos outra vez? Ou apenas tiramos uma fotografia e ficamos à espera que as nuvens regressem para nos toldar a vista?

 

Inês Brandão é fundadora e Global Business Manager da Frenpolymer. Leia mais artigos da autora aqui

Publicado a 23 Fevereiro 2022

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