Multiplicação

Costumo dizer que a nossa maior sorte é o sítio onde nascemos e a família onde crescemos. E digo sorte porque é algo que não podemos mesmo controlar. Isto sou eu, com as minhas crenças, pois sei que existem religiões que afirmam que o que fazemos nesta vida vai refletir-se naquela para a qual passaremos a seguir. Na minha perspetiva, é o acaso que nos traz a um determinado seio familiar, mas não deixa de ser bonita a ideia de que, se praticarmos o bem pelo outro, isso possa renovar-se numa próxima geração. É esperançoso.

Se não dominamos o nosso ponto de partida, ao longo da nossa vida podemos escolher as pessoas que vão realmente influenciar o nosso caminho, que nos irão moldar, que nos servirão de exemplo, que nos ajudarão ou não a sermos a nossa melhor versão.

Eu acredito que tudo começa na adolescência, nos colegas do liceu, mas é quando somos jovens adultos que se acentua a importância dos nossos pares no nosso percurso. É uma raridade encontrarmos amigos que nos aceitam pelo que nós somos, que se assemelham a nós nas convicções, forma de divertir e desejos para o futuro. Que nos admiram, mesmo quando nos criticam. Que nos completam quando estamos em grupo, e que nos incluem na sua tribo. O ponto comum pode ser a música, o curso ou a cidade, mas a amizade, nessa altura da nossa vida, oferece-nos os alicerces emocionais de segurança e sentido de pertença que precisamos para nos lançarmos para o mundo global.

Paralelamente, é também nesta altura que fazemos as primeiras escolhas amorosas. Entre tentativas e erros, lá nos vamos apercebendo do que precisamos no outro para sermos mais de nós. Vamos conhecendo quem nos completa, quem nos subtrai ou quem nos multiplica. Em tudo: em sentimento, em sonhos, em reciprocidade, em projetos de futuro.

Eu sempre estive convencida de que, conhecendo-nos a nós próprios, sabemos bem a pessoa que queremos ao nosso lado. Esta semana faço anos de casada, quase duas décadas, e se houve alturas em que achei que tive sorte, começo a confirmar que, por entre o destino traçado, está muito trabalho e muito autoconhecimento pelo caminho. Eu sabia por onde queria ir e escolhi (escolhemo-nos!) quem eu senti que podia ir comigo. E escolhi mais vezes, durante estes quase 20 anos. E também ele me escolheu outras tantas.

É crucial a decisão sobre o nosso parceiro para a realização pessoal, profissional, familiar. A admiração que o faça empurrar-nos para o que temos medo de tentar, o receio da nossa forma de ser que o obrigue a puxar-nos para não cairmos no abismo, a amizade que ele sinta para estar na primeira fila a bater-nos palmas ou que nos avise pela escolha errada que estaremos a tomar. E o olhar em frente, estando lado a lado, para o mesmo objetivo, sem nunca perder a atenção periférica no bem-estar do outro.

A sorte da família em que nasci tem sido fundamental para o meu progresso profissional, para a minha felicidade como pessoa individual e em sociedade, porque os meus pais sempre me permitiram fazer o que sonhava, colocando a minha vida como sua prioridade, apoiando-me na confusão das rotinas familiares, mas, mais que tudo, ouvindo-me e aconselhando-me, como as pessoas que melhor me conhecem. Os amigos que tenho feito mantêm-se na sua maioria, são décadas de partilhas com pessoas que ainda hoje olham para mim como se eu tivesse 15, 18, 20 anos. A pureza desse sentimento é a verdadeira amizade e, por isso, relevamos tanto mais aos nossos amigos do que, provavelmente, faríamos a mais alguém.

Sobre o parceiro, recordo Esther Perel, uma terapeuta de casal que recentemente começou a aplicar as suas técnicas nas relações de trabalho, e que tem uma frase que eu considero resumir muito do que aqui digo: “When you pick a partner, you pick a story. So, what kind of story are you going to write?”

Até agora, o parceiro tem feito jus à história desenhada, ou, melhor que tudo, tem-me mostrado que há outras histórias a serem contadas que são ainda mais interessantes do que a que eu queria escrever.

Lá está, todos me multiplicam.

 

Inês Brandão é fundadora e Global Business Manager da Frenpolymer. Leia mais artigos da autora aqui

Publicado a 10 Novembro 2021

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