Mulheres – esse constrangimento

A semana passada, Lucília Gago, Procuradora-Geral da República, afirmou em audiência no Parlamento, que a grande proporção de mulheres abaixo dos 30 anos resultava em “agravamento dos constrangimentos” nos trabalhos da instituição. Ou seja, ter mulheres em idade fértil a trabalhar na Procuradoria da República justificava o atraso da resolução de processos, sendo as suas “possíveis gravidezes e panóplia de situações” uma das principais causas de constrangimentos.

Este comentário agoniou-me. Mas é o que pensam muitos líderes que ainda preferem não contratar mulheres por causa das licenças de parentalidade e das reduções de horários enquanto tiverem filhos menores, ou alegadamente menor assiduidade ou menor flexibilidade de horários.

Duvido da realidade destes argumentos na sua generalidade, mas se existem é porque ainda vivemos numa sociedade que os promove. O problema são as famílias onde os maridos não dividem a licença de parentalidade (não é maternidade!) e outras obrigações com as mães. O problema é que vivemos em comunidades com uma mentalidade (ainda que não praticante) de fundamentos judaico-cristãos em que a mãe assume grande parte das atividades familiares, como buscar e levar os miúdos à escola (que acaba cedo demais para os horários das empresas), é ela que vai às reuniões, aos médicos, fica em casa quando eles estão doentes, assume as faltas dos professores, trata das compras, cozinha e arruma a casa, apoia a terceira idade, gere festas e aulas extracurriculares. E isto tudo porque ainda é a que ganha menos, a que é menos promovida, logo, o risco do emprego é “menor”. Assim sendo, nunca vai ser maior, pois não?

Gostava que os gestores vissem menos do que o imediato da dificuldade a curto prazo de gestão da empresa, mas entendo. Não posso esperar mais, é o desafio que eles têm hoje e, a sua maioria, não tem a capacidade para ver mais do que isso. Se bem que a desculpa da flexibilidade de horários não colar comigo: por exemplo, eu trabalho com equipas nos EUA e na Ásia e sim, só falo com elas 3 horas/dia. E o trabalho faz-se e bem. Chama-se planeamento, organização de agendas e gestão de prioridades e expectativas.

Deixar de contratar mulheres só vai agravar o fosso que ainda existe. Que nos atira para todas as obrigações das rotinas dos dias que não partilhamos com o nosso parceiro. E nos cansam e nos desgastam e nos levam a não ter outra escolha do que dizer à nossa entidade empregadora “está a ver a lei? Quero pô-la em prática”.

Como gestores e líderes temos obrigação de educar os nossos trabalhadores, dar formação, dar a conhecer os números das desigualdades, explicar que a lei é para todos, que há vantagens para a família que assim o seja, e dar o exemplo. Deixar de contratar mulheres não é dar o exemplo, bem pelo contrário.

E não é dar o exemplo o que Lucília Gago disse – que a grande proporção de mulheres abaixo dos 30 anos resultava em “agravamento dos constrangimentos”. Até porque os números não corroboram as suas palavras: dados de 2020 mostram que mais de 90% das mulheres abaixo dos 29 anos não têm filhos. No MP, aliás são apenas 28 entre os 1721 trabalhadores. Ou seja, estes 1,6% justificam os constrangimentos?

Já em cargos superiores, ou seja, em cargos de magistradas, as mulheres estão em minoria, 10 para 23 homens, e têm todas mais de 53 anos, ou seja, passaram a idade de fecundidade. Já os homens, poderão estatisticamente ter filhos depois dessa idade. Se o problema nos atrasos é a possibilidade de ocorrência de nascimento de bebés, então serão os magistrados masculinos que nos levam a estes problemas no MP, não acham?

Sempre disse que só atingiríamos a igualdade no dia em que tivéssemos tantos homens quantas mulheres inaptas em cargos de liderança. Estaremos no bom caminho?

 

Inês Brandão é fundadora e Global Business Manager da Frenpolymer. Leia mais artigos de Inês Brandão.

Publicado a 16 Setembro 2024

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