Medir (para perceber) a Estratégia

Muitos gestores de empresas confundem números com estratégia. Ninguém discorda que é muito importante que a leitura das métricas corresponda efectivamente ao desenvolvimento e desempenho do negócio. As métricas são uma realidade essencial da vida empresarial para medir a performance, mas depender delas para executar uma estratégia pode ser pernicioso.

O problema é que as métricas nem sempre são perfeitas, pois em muitos casos partem da quantificação de objectivos inatingíveis (que o digam alguns gestores de multinacionais, ou gestores comerciais que percorrem caminhos impossíveis de concretizar). Na verdade, para avaliar o desempenho de um negócio, corre-se o risco de levar a cabo uma bateria repleta de métricas que partem de pressupostos ou proxies construídas pela própria empresa, com base em dados sectoriais ou experiência adquirida. Mas sabemos que muitas empresas tiveram de alterar os seus modelos de negócio de forma radical, por força do incremento da via digital, colocando em causa esses pressupostos. E quanto mais essas proxies estão desalinhadas com a estratégia maior o dano provocado pela interpretação dos números.

Imagine-se por exemplo que um dos grandes objectivos de uma empresa consiste em “encantar o cliente”. Provavelmente uma das métricas utilizadas neste caso recai sobre o índice de satisfação ao cliente ou pelo NPS (net promote score) avaliado através de inquéritos ao mercado onde apenas as pontuações máximas validarão o objectivo pretendido. Ora, em situações similares, muitas vezes os colaboradores forçam a maximização dos resultados dos inquéritos, em vez de tentarem compreender tudo aquilo que pode criar uma avaliação excepcional por parte dos clientes. Quantos de nós já fomos “convidados” (quando o somos) a pontuar com 9 ou 10 determinada interacção comercial com uma empresa? Ora, esta prática desvirtua claramente o objectivo de entregar uma experiência única que provoque o “encantamento”.

Vários estudos advogam a ideia de que se deve contar com a colaboração de quem implementa as estratégias na sua própria formulação. Esta medida visa comprometer mais os executantes com o objectivo da estratégia e evita a construção de métricas que podem ser laterais ou que enviesem resultados.

Por outro lado, é necessário não ficar amarrado à ligação existente entre as métricas e os incentivos. Uma relação muito directa entre as duas variáveis pode provocar pressupostos ou verdades absolutas que não se confirmam em situações muito específicas. Por exemplo, em função do contexto de crise económica que estamos a viver devido à pandemia, é natural que muitos sectores de actividade assistam a um decréscimo significativo das suas vendas. E aqui, neste indicador, as métricas são nuas e cruas, muito objectivas. No entanto, na comparação com a concorrência o decréscimo das nossas vendas pode ter sido o menos acentuado, ou seja, num cenário não previsto pode ocorrer um decréscimo da rentabilidade e da evolução das vendas, ao mesmo tempo que se assiste a um reforço da quota de mercado.

Finalmente é cada vez mais recomendado que cada empresa, ou mesmo um sector de actividade, construa métricas específicas e múltiplas do que apenas as mais comuns. Em boa verdade, não existe uma métrica que responda completamente à apreciação quantitativa de uma estratégia. Imagine-se que o volume de vendas de uma empresa cresceu 20% face ao ano anterior no negócio online, ao mesmo tempo que as vendas em canais físicos decresceram na mesma percentagem. Mais do que estarmos perante o mesmo volume de vendas, é necessário extrair a informação do canal que dá origem às vendas, como se de um produto se tratasse e perceber que efeitos colaterais poderão ocorrer, nomeadamente em custos ou outros recursos.

Uma obsessão com as métricas pode afundar qualquer estratégia. Construir um modelo de métricas apropriadas para um alinhamento fidedigno com a estratégia, é um trabalho complexo, mas que vale a pena porque produz resultados reais, não dissimuláveis.

Não é a média do indicador que nos fornece uma verdade absoluta, mas a separação deste em indicadores específicos. Não há copo meio cheio: dum lado, há um copo que está a meio e que antes estava cheio e do outro um copo que está a meio porque antes estava vazio. Não é a mesma coisa! O resultado final ocorre por alguma razão. E as métricas devem poder explicá-la.

Publicado a 27 Maio 2020

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