Marketing: quando tudo está em ca(u)sa

Ninguém tem ficado indiferente à forma como se alteraram os métodos de trabalho e toda a dinâmica da organização empresarial. E a razão é simples: o novo contexto obrigou as empresas a criar ou inventar rotinas que põe em causa todo o normativo anterior.

Os impactos destas alterações sentem-se aos diferentes níveis hierárquicos das empresas, na gestão de processos, na análise da informação, no papel que cada um desempenha enquanto membro de um grupo, na forma como o faz e nos sistemas de medida de performance.

É costume dizer-se que, mais do que competir, as empresas devem adotar uma visão holística do mercado, fomentando uma cultura out of the box. Mas hoje o desafio é ainda maior porque deixou de haver box.

Se o big data explica a correlação de fatores, é o small data que explica a sua causalidade, isto é, o que gera iniciativas e soluções capazes de produzir resultados.

Para a grande maioria dos sectores de atividade, longe vão os tempos em que o planeamento orçamental cumpria com maior ou menor rigor o que estava expresso nas folhas de Excel. Hoje, percebe-se que isso corresponde aquilo que efetivamente ocorre no respetivo horizonte temporal. Mas essa realidade em nada desobriga a necessidade de planear e de orçamentar, só a reforça. Mas com uma nuance: toda a projeção deve estar construída com base em informação permanente, real e expectável do mercado e não assente em pressupostos internos, míopes da leitura dos acontecimentos.

É também nessa linha de raciocínio que o big data, embora útil, não é suficiente para gerar dinâmicas de mercado. Se o big data explica a correlação de fatores, é o small data que explica a sua causalidade, isto é, o que gera iniciativas e soluções capazes de produzir resultados.

Por outro lado, exige-se um novo olhar sobre o quadro competitivo das empresas em que cada empresa opera, sobretudo na identificação das boas práticas concorrenciais.  Toda a indústria de e-commerce deu a conhecer ao mundo um vastíssimo leque de novos players que não faziam parte das preocupações das empresas instaladas.

Também sabemos que a burocracia e a complexidade ainda prevalecem e que, em muitos casos, são valorizadas. Todavia, estas poderão ser as principais ameaças que hoje se colocam às empresas na tentativa de sobrevivência a médio prazo. A flexibilidade com que se atua junto do mercado e a respetiva capacidade de atuar numa lógica go to market é imprescindível.  O futuro tratará de depurar as empresas que fomentam uma cultura centrada em modelos rígidos, uma vez que tudo passará a ser mais volátil e incerto.

Para se saber quem verdadeiramente lidera uma organização ou departamento não devemos olhar para o organograma, mas antes compreender quem é verdadeiro influenciador dos processos de decisão, sejam estratégicos ou operacionais.

Chegou o momento de quebrar as estruturas excessivamente formais criadas pelos organogramas das empresas e compreender de que forma as diferentes áreas se podem interligar e criar valor, uma vez que todas servem o mercado, de forma mais direta ou indireta. Para se saber quem verdadeiramente lidera uma organização ou departamento não devemos olhar para o organograma, mas antes compreender quem é verdadeiro influenciador dos processos de decisão, sejam estratégicos ou operacionais. E se temos dúvidas sobre quem são esses protagonistas nada mais simples do que perguntar aqueles que conhecem toda a gente dentro da empresa e podem estar na base da pirâmide hierárquica.

A necessidade de gerir tudo é um verdadeiro contrassenso nos dias de hoje. Dada a multiplicidade de tarefas que hoje todos temos de abarcar, é forçoso criar autonomias na capacidade de coordenar tarefas específicas. Segundo Neil Lindsay, VP e Prime Marketing da Amazon, empresa com 1 milhão de colaboradores, todos devem encarar o próximo dia de trabalho como se fosse o primeiro, onde está tudo por aprender. Este princípio é valido para qualquer nível hierárquico e incorpora em si mesmo um princípio de humildade que é necessário cultivar em todas as circunstâncias.

Deixará de haver casulo que nos proteja da incompetência e do laxismo.

Na compreensão das interações com clientes não é diferente, pois a aprendizagem e otimização dos momentos de verdade de ser constante. Seguir as pisadas de Hitchcock pode ser um bom princípio: tal como todos os realizadores, dividia os seus filmes em frames, no qual era colocado em prática um blue script, com um conjunto de regras, modos de atuar e procedimentos. Mas cada frame continha adicionalmente um green script, que identificava com precisão que estado emocional deveria despertar no espectador.  Colocar-nos na pele dos clientes em cada momento de verdade e otimizar o impacto emocional, será um caminho árduo, incompleto, mas totalmente diferenciador na criação de valor.

Na gestão e no marketing não voltaremos à norma. Temos de aprender a evoluir a partir dela. Deixará de haver casulo que nos proteja da incompetência e do laxismo.

Publicado a 19 Fevereiro 2021

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