Violas Braguesas, Línguas e outras Artes

Via eu, no outro dia, uma entrevista ao Manuel de Oliveira (músico que gravou o disco Entre-Lugar, tocado em viola braguesa) e lembrei-me: “eu já soube tocar viola braguesa!”. Ora bem… tocar, tocar não se pode dizer que soubesse. Aprendi meia dúzia de acordes e acompanhava as tocatas de Douro e Minho do Orfeão Universitário do Porto. A minha viola braguesa era linda. É linda, que ainda a tenho. Com o braço em forma de lágrima, a querer fugir para uma guitarra portuguesa. Era má a tocá-la, péssima a afiná-la. Esqueci-me de afrouxar as cordas para a viagem de avião que fizemos na digressão ao Brasil e cheguei lá com a viola em dois pedaços. Sim, para quem não sabe (eu não sabia), a pressão do ar em altitude pode apertar as cordas e o instrumento acaba por ceder. Uma caloira, eu mesma.

E daqui, da viola braguesa, a minha cabeça passou para algumas coisas que comecei a fazer na minha vida e nunca aperfeiçoei. O alemão, por exemplo. Fiz estágio na Alemanha mal me formei, e aproveitei que lá estava para ter aulas da língua. Difícil, que difícil era. Quando regressei, sem praticar, acabei por esquecer muita coisa. Costumo dizer que não passo fome na Alemanha ou na Áustria, mas não consigo manter uma conversa e é uma pena.

Mas outras coisas há que, com a idade e o tempo, tentei melhorar. Há uns anos, quando abri a minha empresa, decidi mudar duas coisas na minha vida: deixei de roer as unhas (roí as unhas 30 anos da minha vida) e comecei a ter aulas de canto. Sempre cantei em coros, a música é uma paixão, mas nunca tive conhecimento musical ou técnica. Sempre cantei de ouvido, de coração. As aulas de canto vinham com classes de leitura e escrita de música. Ora, se as primeiras eram individuais, as segundas eram em sala com mais alunos. E todos eles, todos sem exceção, podiam ser os meus filhos. Mais novos. E eu era a pior aluna. De longe. Ora, fiz um acordo comigo: ias às de canto, mas deixava a humilhação das restantes aulas. Até porque, a probabilidade de ser bem-sucedida era muito pouca. Mesmo assim, nunca falhei uma audição, e apesar da maioria dos alunos ter na audiência os pais e os avós a assistir, eu tinha os meus filhos.

Penso que essa é uma das grandes razões porque não se retomam atividades que se deixaram a meio. Muitas delas estão desenhadas para uma determinada geração e recomeçá-las é sair completamente da zona de conforto com um grupo de colegas que nos olha como uma ave rara. Se os institutos de línguas têm aulas para alunos adultos, outras áreas não as terão, e nem toda a gente se sujeita a cantar uma ária depois de meia dúzia de miúdos abaixo dos 8 anos apresentarem os seus conhecimentos de piano. A minha mãe adorava ter aprendido a andar a cavalo, o meu pai a tocar piano. A minha sogra foi a única que retomou um gosto antigo, tem aulas de pintura com colegas da sua idade e é fabulosa no que faz.  Que perda tão grande teria sido não trabalhar essa arte!

Eu acredito que anda por aí muita gente que gostaria de retomar um gosto antigo que deixou a meio: um instrumento musical, um desporto radical, uma língua, alguma arte manual. Falem uns com os outros, quem sabe não fazem uma classe de gente de uma mesma geração, a aprender por igual?

Já eu vou mostrar a viola braguesa ao meu mais velho, o músico cá de casa. Pois se não aprendi aos 18, não vai ser agora depois dos 40, com toda a certeza absoluta!

 

Inês Brandão é fundadora e Global Business Manager da Frenpolymer. Leia mais artigos da autora aqui

Publicado a 13 Outubro 2021

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