Em quatro rodas

O meu pai ensinou-me a conduzir aos 16 anos. À volta da zona residencial onde morávamos, com o banco chegado todo à frente (ainda hoje está assim, pois sou pequenina), comecei por estacionar entre dois carros – talvez das manobras mais difíceis para um aprendiz de condução. Na semana em que tirei a carta, o meu pai sentou-me no lugar do condutor, descemos a autoestrada do Porto para Lisboa, e, nessa sexta ao fim da tarde, estava num pára-arranca do Marquês até às Amoreiras, quase em lágrimas, e a minha mãe sentada atrás a comentar que era “um disparate, tão pouco tempo e já no trânsito da capital”.

Foi assim que aprendi a ser desenrascada, a estacionar no “parque” de terra batida da Faculdade de Engenharia do Porto, com raízes de árvores a levantar do chão, quando ainda estava nos Bragas. Foi assim que sempre levei carro para as férias e para qualquer saída na juventude.

No meu primeiro emprego, éramos poucos. Então, uma vez, foi preciso conduzir o empilhador para carregar uma carga urgente para um cliente e já não estava o empregado de armazém. Foi assim que aprendi a conduzir um empilhador também. Adorei. Não sei se alguém já experimentou, mas num empilhador a condução é ao contrário. Um desafio!

Depois disto, e dos milhares de quilómetros anuais em terras ibéricas, já aluguei carros por todo esse mundo.  No Uruguai tive uma experiência muita gira em estradas sul americanas. No Reino Unido, ao conduzir no lado oposto da estrada, só me preocupavam as rotundas. Mas mesmo aí, ao fim de umas quantas, a condução saía-me naturalmente. E, apesar de uma vez ter um nórdico no lugar do pendura sempre em pânico que eu me chegava demasiado ao lado dele, não me deixei desanimar.

Quando, há umas semanas, me apercebi que ia ter de alugar, e conduzir, uma carrinha furgoneta de 18 m3, para transportar uma máquina e fazer um roadshow pelo país, houve umas noites que não dormi muito bem e até tive uns pesadelos. Era a carrinha, o valor da máquina, o receio do desconhecido, que se tem tornado maior desde que a pandemia nos entorpeceu os movimentos.

Pois bem, quando me sentei lá no alto, puxei o banco toda à frente e senti-me em casa. Nem quando me encontrei numa rua de um sentido só, no local errado, a ter de voltar em marcha atrás uns bons 800-1000 metros, eu achei que não seria capaz. Até porque tinha de ser feito, não havia, literalmente, volta a dar.

Sempre gostei de carros, de estar detrás de um volante, de ter estradas para mim, a ouvir música, a fazer chamadas. Sempre me senti livre em movimento sobre quatro rodas. E esta última experiência deu-me vontade de tirar a carta de pesados. Diz que há falta de condutores por essa Europa fora, principalmente no Reino Unido. E, quem sabe, não me aventuro a um Paris-Dakar, qual Elisabete Jacinto?

Porque o melhor de termos receios é conseguirmos vencê-los. E, depois de vencidos, voltar a sentir que estamos vivos e, como antes e como sempre, que somos capazes.

 

Inês Brandão é fundadora e Global Business Manager da Frenpolymer. Leia mais artigos da autora aqui

Publicado a 30 Setembro 2021

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