Falhar

A primeira vez que me recordo de falhar, mas falhar a sério, foi no 12.º ano. Foi, assim, um grande falhanço e não aqueles erros de crescimento. Excluo, também, a nódoa que sempre fui nos desportos de equipa (sou péssima a jogar futebol…) ou a minha enorme falta de jeito para o desenho. Refiro-me a um fracasso naquilo que eu pensava ter controlado. Então, era o primeiro teste de Matemática do 12.º ano, a disciplina em que sempre fui excelente, vinha com média de 20 nos anos anteriores. Esta disciplina era uma das três que tínhamos ao todo, nesse ano. Em meados da década de 1990, o último ano do liceu era pouco pesado, com pouca carga horária e, no meu caso, eu só tinha de estudar Matemática, Química e Física e, ainda por cima, em horário noturno. Recebi o resultado da primeira avaliação e vejo escrito no topo da folha: 9,1. Nove vírgula um. Nesse momento, a minha alma parecia levitar fora do meu corpo e via toda a sala. Tenho a perfeita memória de olhar para o número e ver tudo turvo. Enquanto o professor ia dizendo, lá longe: “Com este teste, eu sei que alunos tenho à minha frente. É uma boa fotografia do que vai ser o vosso ano”. E eu, distante, com o meu cérebro a esvaziar. Virada para trás, a minha (ainda hoje muito!) amiga Joana perguntava-me com carinho e preocupação: “Estás bem?” E eu nem sei se lhe respondi.

Empreender é ter a certeza de que se vai falhar. Mesmo que não leve ao fecho do negócio, vamos cometer erros. Vamos ter de nos desviar do plano inicial, passar por momentos de aperto (pandemias e guerras!), apostar em fornecedores errados, redefinir estratégias. E isso custa. Quanto mais pessoal for o nosso negócio, mais difícil é. Ou não?

Eu acredito que a forma como vemos o fracasso depende muito de onde vivemos e de quem somos.

Tendo trabalhado com várias culturas ao longo da última década, não posso negar que em Portugal se olha para o fracasso como um momento pessoal e de erro próprio. E é por isso mesmo que sentimos vergonha quando corre mal. Já nos Estados Unidos da América, cada tentativa e cada fracasso é um exemplo de coragem. De resiliência e resistência. Porque se sabe que tudo depende tanto de fatores externos, como internos.

Quando, no outro lado do mundo, eu digo que sou dona da minha empresa, o olhar de respeito e interesse é imediato. Cá, se não me conhecerem, olham com desconfiança se digo que sou empresária.

Por outro lado, a forma como lidamos com o fracasso é diferente, e generalizando, se somos mulheres ou homens. Talvez seja essa a principal razão por que arriscamos menos a abrir o nosso próprio negócio: até nos EUA apenas 1 em cada 5 empresas são detidas por mulheres.

Somos mais avessas ao erro, temos menos apoios familiares e sociais, o recurso a fundos é mais limitado, não queremos ser rotuladas como insistentes ou agressivas, há toda uma cultura empresarial maioritariamente masculina à qual nos temos de adaptar. E, correndo mal, sentir o dedo a apontar para o falhanço. Até porque, como diz a Michelle Obama: I wish that girls could fail as bad as men do and be OK, because let me tell you, watching men fail up—it is frustrating. It’s frustrating to see a lot of men blow it and win. And we hold ourselves to these crazy, crazy standards.

De acordo com a Pordata, 25 % das empresas criadas desaparecem em 12 meses. Este número sobe para 40 % quando alargamos o período a 2 anos. Ou seja, é altamente provável que corra mal. E então?

O que digo a algumas mulheres com quem falo sobre empreendedorismo é que o mais importante é planear. Fazer um bom plano de negócio e estar aberta a alterações ao modelo escolhido. Talvez até desistir da ideia antes de começar. Não tem mal nenhum! Depois, e começando, o importante é contar que corre mal antes de nos desgraçarmos economicamente – ou seja, parar antes que seja tarde demais. E ir indo, e fazendo. Guardar para momentos maus (aka pandemias) e aprender com isso. E, falhando, lamber as feridas, cicatrizar e olhar para trás com orgulho da tentativa.

Finalmente, o que importam os outros? Os outros, que nunca saltaram para a arena e estiveram expostos a situações de ansiedade, stress, medo, receio, esforço, luta, alegria. Os outros que, talvez, até usem a nossa tentativa falhada para mascarar a coragem que lhes falta para criar algo que gostavam muito.

No dia em que tive a minha primeira negativa a Matemática, e logo no ano-chave de acesso à faculdade, chorei em casa como uma Madalena. De raiva e desapontamento, confesso que vergonha foi sentimento que “não me assistiu”. Dei-me ao direito desse momento. Mas acordei focada no ano que vinha a seguir, não ia ser um teste que me iria definir. No seguinte, o professor colocou uma pergunta extra que valia 3 valores sobre uma matéria não obrigatória. Por isso, não tive 20 valores, mas 23.

Digo aos meus filhos, e a quem me quer ouvir, que muito mais importante que o fracasso é como reagimos a ele. Por nós e para o nosso percurso e confiança. Porque ele vai acontecer. De certeza.

Inês Brandão é fundadora e Global Business Manager da Frenpolymer. Leia mais artigos de Inês Brandão.

Publicado a 18 Maio 2023

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