Estratégia: pensar a longo prazo tornou-se curto?

Do grego antigo, estratégia significa a arte de liderar a guerra, com a finalidade de levar de vencida um inimigo, escolhido o campo de batalha. É por isso que lhe vemos associados em diversas referências bibliográficas muitos termos militares (guerrilha, by pass, frontal, flanco, cerco, etc…). Por outro lado, as tácticas representam todas as variáveis que se colocam em prática para concretizar a estratégia e obter uma posição vantajosa no terreno (número de recursos humanos e materiais, escolha dos timings apropriados, gestão da comunicação, criação do efeito surpresa, etc…)

No domínio empresarial, estratégia significa a arte de liderar um negócio ou um mercado e torná-lo num projecto vencedor, através da construção de vantagens competitivas. A forma como essa estratégia é implementada é composta de tácticas, que podem compreender temáticas como a inovação, a tecnologia, o pricing, o serviço, a gestão dos canais de distribuição e comunicação, para além da gestão de recursos humanos e logísticos.

Nos tempos conturbados que atravessamos, é sempre bom reforçar que o conceito de estratégia não representa o longo prazo, da mesma forma que táctica também não significa curto prazo. Nada disso. A primeira responde pelo “onde” e a segunda pelo “como”.

Dizia Keynes que “no longo prazo estaremos todos mortos”. Se o final da frase não merece grandes dúvidas, já o conceito de longo prazo, tem muito que se lhe diga. Basta ver as folhas de cálculo elaboradas no último trimestre de 2019, com projecções de vendas e resultados para 2020, para se perceberem duas coisas: os números estão todos errados e os conceitos temporais atropelam-se.

Por maior que seja a profundidade dos estudos de mercado prospectivos sobre o que será a realidade dentro de pouco tempo, não há projecção que se afigure fiável.

  • Que contas fizeram e fazem decorridos apenas alguns meses todos aqueles que, de forma mais directa ou indirecta, desenvolvem actividades na área do turismo?
  • Quantos milhões de pessoas tiveram de deixar os países que escolheram para trabalhar, porque tão cedo as oportunidades de ontem (quase literalmente) não se perspectivam tão cedo e a desvalorização da moeda parece irrecuperável?
  • Que dizer do recente cancelamento de encomendas de têxteis de grandes marcas da moda, no valor de 3 mil milhões de dólares, a países como o Camboja, Myanmar, Vietnam ou Bangladesh, que está a levar ao desespero empresários e trabalhadores, podendo contribuir para um desemprego no sector que pode atingir os 70% e afectar de forma brutal uma actividade que representa cerca de 75% das exportações?
  • Numa perspectiva inversa, como interpretar o crescimento assombroso do valor das acções da Amazon de 1670 dólares a meio de Março para cerca de 3000 dólares no momento actual?

Na verdade, hoje assistimos a grandes transformações a diversos níveis da actividade empresarial:

Os mercados mudaram: cruzam-se, estendem-se e reconfiguram-se. A Uber transporta comida, uma microempresa portuguesa vende na China, EUA e Brasil, o método de ensino já não é o que era;

Os clientes mudaram: alteraram preferências, transitaram para o digital, defendem causas, reagem a tudo e mostram o seu lado mais caricato. É a vitória do biológico sobre o sintético ou do papel sobre o plástico, são os meios de pagamento que cada vez contam com menos moedas e notas, são os donativos online a propósito dos aniversários, é o comentário futebolístico, político ou de personalidades públicas levado ao extremo, é um TikTok que nasceu miúdo, mas já é graúdo e que fomenta 15 segundos de grande criatividade para que se aspire a mais likes que o post anterior.

A comunicação mudou: na interacção, no marketing, na transmissão de informação, na educação: o Zoom ou Teams passaram a ser o boardroom, os canais digitais estão a levar de vencida os tradicionais na publicidade, proliferam os webinars sobre todo e qualquer assunto, voltou a Telescola que os miúdos têm de acompanhar e os graúdos aproveitam para reaprender.

As teorias de gestão mudaram: será que com este nível de incerteza, modelos matriciais como o da BCG, McKinsey ou Ansoff, que analisam mercados e posições competitivas, ainda têm a mesma força? E que dizer de Michael Porter que advogava dpos tipos de estratégias opostas, separando liderança pelo preço da liderança pela diferenciação, numa altura em que a Amazon, a marca que mais cresce no cenário mundial, mostra que o caminho se faz nas duas frentes e ao mesmo tempo?

Se tudo muda e num curto prazo de tempo, a estratégia tem de mudar no seu timing de execução. Não me refiro à proposta de valor e àquilo que deve distinguir uma marca das demais e que representa a sua identidade. Falo da necessidade em reforçar um conceito estratégico de 1997, dynamic capabilities, que mais não é do que a adaptação permanente com grande flexibilidade a movimentos abruptos do mercado e da envolvente.

Essa resposta concretiza-se, cada vez mais, com acções de curto prazo (quick wins) e não com a expectativa de percorrer uma linha que supostamente adivinha o futuro e que de repente se tornou invisível. Será a capacidade de multiplicar com insistência estes quick wins que formarão a estratégia do amanhã. Fazendo, fazendo, fazendo.

Tudo parecia ser uma linha recta. Já não é mais e poucos saberão a sua configuração futura.

 

Daria tudo o que sei em troca de metade de tudo o que ignoro!, René Descartes

 

Publicado a 19 Julho 2020

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