Escutar

Quando nascemos, ensinam-nos a falar. Repetem connosco palavras, canções, lengalengas. Querem que falemos e fazê-lo bem é uma alegria. Percorremos os primeiros anos da nossa vida, onde os nossos pilares de personalidade se desenvolvem, a promover a nossa fala, a nossa palavra, a nossa voz.

À medida que crescemos, sentam-nos em bancos de escola a ouvir. Para aprender Matemática, Português, História, querem que escutemos, mas não nos ensinam a fazê-lo. Interpretamos conceitos, mas não sabemos “ler” os outros.

Por isso, não é de espantar que entremos na vida adulta tendo como prioridade apenas o que nós dizemos e muito menos o que os outros nos querem dizer. Existem inúmeros cursos para nos preparar a falar em público, mas para nos conferirem a capacidade de escutar não são tantos assim.

Saber ouvir o outro é uma característica que poucos têm e que apenas se vai adquirindo com o tempo. É uma qualidade essencial em muitas profissões, senão em todas mesmo. É obvio que um bom comercial tem de saber escutar e ler os sinais escondidos no discurso do cliente, mas ouvir um subordinado ou uma chefia é fundamental para perceber onde o outro está e conseguir chegar a ele. Para negociar, uso muito a máxima: meet them where they are, mas só consigo saber onde isso é se compreender a mensagem. E isso só é possível calando-me e esperando pelo que vem do outro lado.

Confesso que falo muito e demorou-me muito tempo e muito treino a aprender a escutar. Recordo-me do efeito que fui tendo no outro à medida que me fui qualificando nessa arte. Mais do que perceber que eu o entendia, o meu interlocutor foi descontraindo e ganhando uma confiança, que vinha apenas do respeito que sentia por eu o ouvir. Parar e escutar, realmente, acompanhando raciocínios, fazendo as perguntas certas, mostra ao outro que o valorizamos e lhe damos importância. E como é tão raro encontrarmos quem nos atente, quando acontece passamos para um patamar do relacionamento acima dos demais. Mesmo que de uma forma inconsciente, o que fica no outro é um sentimento de conforto.

Um bom ouvinte é, sem dúvida, um bom comunicador. Porque compreende que comunicar é uma viagem com dois sentidos, quantas vezes mais importante seja a parte em que estamos calados a ouvir, sem cometer o erro de fazer assunções precipitadas sobre determinado assunto.

Um bom ouvinte é curioso, faz perguntas, quer saber mais, e, por isso, aprende melhor sobre os temas com os quais é confrontado. Conhece outras formas de ver a mesma questão e cresce como indivíduo.

Um bom ouvinte é, acima de tudo, altruísta. Porque dá ao outro o espaço de se ouvir, tornando-o o centro da conversa e permitindo-o conhecer-se melhor a si próprio.

Como ser um bom ouvinte?

Começa por não cedermos ao ímpeto de darmos a nossa perspetiva, opinião ou conselho para um assunto no imediato. Contarmos até 3 ou 5 e repetirmos o que nos foi dito por outras palavras. Desta forma, mostramos que escutamos o que nos foi passado, damos a nossa interpretação, permitindo correções e, no limite, levamos o outro a conhecer-se melhor a si próprio.

Outra tática é pedir mais informação: “diz-me mais”, “conta-me sobre isso”, “continua”. Quanto mais dados, mais fácil será para nós compreendermos onde a outra parte quer chegar.

Muitas vezes, e é o que mais me custa de muitas ferramentas existentes, é mantermos o silêncio, sem perder a conexão e a atenção. Deixarmos que seja o outro a quebrar o vazio. Para mim, isso é quase contranatura, ficar segundos calada sem preencher esse tempo com palavras. Recordo-me de uma situação pessoal em que me forcei a isso e foi revelador o momento em que do outro lado da mesa, talvez minutos depois, a pessoa se sentiu confortável, finalmente, a falar.

Um bom ouvinte ganha a confiança porque não julga, nem emite juízos de valor. A conversa é um espaço seguro e revelações importantes podem ser feitas para deslindar um problema, porque é dado espaço a diagnosticá-lo sem precipitar numa solução. Muitas vezes, o outro é o maior beneficiário, mas o que fica desse momento é uma relação mais forte. No fundo, ganhamos nós.

 

Inês Brandão é fundadora e Global Business Manager da Frenpolymer. Leia mais artigos de Inês Brandão.

Publicado a 22 Fevereiro 2024

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