“Don’t be too nice”

Nos últimos 12 meses do ano, viajei muito mais do que o normal. Passei por zonas geográficas remotas – Brasil, Chile, Quénia, Índia, Ásia, Qatar, sul da Ásia – para além das quase usuais viagens semanais dentro da Europa.

Nas deslocações mais longínquas, apesar de algumas serem já conhecidas e repetidas, continuo a ter os cuidados de sempre: tentar aterrar durante o dia nos aeroportos, confirmar o transfer privado do hotel, escolher a localização do hotel em zonas das cidades mais seguras, não andar na rua sozinha, levar contactos de pessoas conhecidas que estejam mais perto, confirmar com os clientes as moradas, reservar carros com motorista que me esperam à porta enquanto a reunião decorre, viver do room service. Isto, em termos logísticos.

Depois é a mala: sempre de mão, roupas discretas, nada de jóias, pouca maquilhagem, sapatos confortáveis, máscaras, lenços para a necessidade de me “cobrir” (depende de quem me receberá).

Quando são países onde nunca estive ou conheço pouco da cultura, leio muitos artigos e blogues de mulheres que por lá passaram.

Nesta última ida à Índia, num dos textos de opinião que encontrei, diziam-me isto: “don’t be too nice”. Isto porque uma mulher europeia ainda é objecto de surpresa e olhares fixos. Se for simpática, pode vir a colocar-se numa situação mais difícil de gerir. Para mim, não é fácil. Sou uma pessoa de sorriso fácil, mas fui com esta frase a repetir na minha cabeça.

Isto pôs-me a pensar como ser mulher neste Mundo profissional (e não só) obriga a muito mais preparação em tudo, até numa simples viagem de negócios. O meu marido, se tem uma viagem intercontinental, tem de se preocupar com a validade do passaporte, com o visto, ver o tempo que vai estar para escolher roupa apropriada, trocar divisas e pouco mais. Até os hotéis são escolhidos com base em critérios diferentes dos meus. Apanha táxis, Ubers, anda de metro, vai a restaurantes. A maior preocupação quanto às reuniões é ir bem preparado.

Já eu, tenho de me preocupar com isso tudo e muito mais, que tem a ver com a minha segurança e adaptação ao meio onde vou estar. O meu cérebro está constantemente alerta, até onde me sento quando entro num lounge ou na sala do pequeno almoço é razão de preocupação e cuidado.

É verdade que já me habituei a tudo – das questões logísticas como transfers e room services. Desta vez, custou-me particularmente não ser “too nice”. Mas percebi o motivo de onde vinha o comentário.

Mas, lá está, tudo se aprende. Até a sorrir menos.

 

Inês Brandão é fundadora e Global Business Manager da Frenpolymer. Leia mais artigos de Inês Brandão.

Publicado a 26 Setembro 2024

Partilhar Artigo

Parceiros Premium
Parceiros