Caminho de cabras e dicas aleatórias de gestão

No momento em que escrevo esta crónica, continuo pelos Países Baixos. Aluguei um carro com GPS e pus a morada para onde tenho de ir. São sete da noite, está escuro como breu nesta estrada secundária, as únicas luzes são os faróis e os pontos vermelhos dos moinhos de vento da energia eólica. São tantos, tantos que quase parecem estrelas, não fossem não piscar e ter uma cor diferente. Em dado momento, o navegador diz-me para virar à esquerda e entro, literalmente, por um caminho de cabras. E como é que sei que é de cabras? Porque eram umas vinte as que fugiram da minha viatura! Enquanto raciocinava e pensava se seria melhor prosseguir ou virar para trás, passaram-me pela cabeça algumas das aventuras automóveis por que tenho passado na minha vida e como elas se podem aplicar à forma como gerimos o nosso trabalho, carreiras ou empresas.

  • Continuar para além do objetivo

A mais desafiante viagem foi, talvez, o aluguer do carro no Uruguai e que acabou comigo a ir de Montevideo até quase à fronteira com o Brasil. Queria conhecer Punta del Este (e vale muito a pena), tinha ficado durante o fim-de-semana de propósito para isso, e fui continuando, passando pelo local definido. Tinha corrido bem até aí, tinha tempo, e queria ver até onde conseguiria ir.

  • Quando relaxamos é quando fazemos asneira

As estradas sul americanas estão em péssimo estado, mesmo assim consegui só bater com o carro à porta da locadora quando o ia entregar. Sim, isso. No fim. Bati num pino qualquer ao fazer a manobra de estacionamento. Os dois dias inteiros a conduzir, alerta para buracos, más sinalizações, manobras difíceis, e fui deixar a marca no carro ao estacionar num lugar perfeitamente demarcado, fácil e largo.

  • O facto de ser diferente não significa que é mais difícil

Claro que conduzir no Reino Unido também é uma aventura. Principalmente se és um adulto grande e vais no lugar ao lado do meu, sendo eu a condutora. Devo ter provocado umas arritmias a um colega de viagem, mas, em minha defesa, só bati uma vez com o espelho retrovisor, não entrei nenhuma vez contra a mão em rotundas (e toda a gente que conduz na ilha inglesa sabe que esse é o maior teste) e, que me lembre, ultrapassei sempre pelo lado certo. Feito!

  • A experiência ajuda a não desesperar. Mas desesperando, mais vale pedir ajuda a alguém que pode mesmo fazê-lo

O meu maior momento de stress foi na Alemanha. Quando fui estagiar para lá, formada há poucos meses, decidi ir de carro para poder movimentar-me mais à vontade. Estava numa aldeia que pouco mais tinha do que a fábrica onde trabalhava, uma padaria, dois supermercados, uma estação de comboios e uma pizzaria. Por isso, para aprender a falar alemão, tinha de me deslocar uma meia hora até à cidade mais próxima. Três vezes por semana, ao fim da tarde.

A primeira vez que regressei dessas aulas, noite escura, sem GPS, sem internet, com um telemóvel que pouco mais fazia do que chamadas e mensagens (isto foi quase no século passado, para os jovens que me estão a ler: não havia internet nos telefones), enganei-me na saída da autoestrada. Em vez de ir para um sentido, fui para o outro. Perdi-me.  E quando tentei dar a volta, escolhi uma saída da via rápida que estava fechada, meti-me por umas estradas sem ponta de luz, sem casas, só via árvores por todo o lado. Ao mesmo tempo, ligavam-me os meus pais a perguntar se eu já estava em casa. E eu a mentir, que tinha ficado na conversa. Depois desligava esta chamada e ligava ao meu marido, namorado na altura, em lágrimas, pois estava perdida e não via ninguém para me ajudar! O rapaz em Portugal, sem saber onde é que eu estava, e eu a pedir-lhe ajuda.

Até que vi, ao longe, uma estação de serviço. Parei o carro, corri para a loja e, mesmo no estado de nervos em que estava, lá consegui que o homem me desse umas dicas entre inglês e alemão. Consegui chegar a casa. E nunca mais me enganei na Ausfahrt.

Hoje, de certeza, que não sofreria. Tendo o depósito com combustível, sendo a estrada boa, estando num país civilizado, era ir andando, que se encontraria a saída.

  • Só voltar atrás quando esgotamos o caminho em frente

E cá estou, novamente, no caminho de cabras. Depois destas lembranças todas aprendi que não vale a pena ligar para o meu marido que ele não vai ajudar. Também não vale a pena voltar para trás, essa opção já sei que não funciona. Por isso, decidi seguir em frente, até porque a 1800 metros o navegador (agora o do telemóvel, que a tecnologia evoluiu) parece indicar uma saída. O que aconteceu.

  • Seguir ordens cegamente raramente resulta

Naquele caminho de cabras não mato nenhuma cabra, não furo nenhum pneu nos buracos todos dos quais me desvio, e chego ao meu destino. Ninguém diria que encontraria estradas destas, tão sul americanas, nos Países Baixos.  Devia ter questionado logo nos primeiros metros daquele caminho de cabras que a coisa parecia duvidosa, mas achamos sempre que há coisas que não acontecem em determinados contextos.

Mas também ninguém me mandou seguir ordens de ninguém. Nem do GPS.

Nem parece meu.

Inês Brandão é fundadora e Global Business Manager da Frenpolymer. Leia mais artigos de Inês Brandão.

Publicado a 02 Março 2023

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