A importância do autoconhecimento

Uma vez, tendo sido promovida a um cargo de direção, alguém na empresa onde trabalhava disse-me que estavam a considerar-me para a Direção Geral, para me ir preparando e trabalhando para isso. “Daqui a uns anos, quem sabe, correndo bem agora o seu trabalho.” Desde a saída da faculdade que o meu horizonte acabava ali, no cargo de CEO de uma empresa do meu setor. Aspirava a uma função que, romanticamente, idealizava de uma determinada forma e com determinadas vantagens e responsabilidades. Na correria da vida, no investimento na carreira, a visão da meta era a mesma, mas fui aprendendo que as funções não são como aparecem nas séries e nos filmes da televisão. Com altas posições ou cargos vêm maiores obrigações. Temos de responder a entidades, a ter responsabilidades civis, e a liberdade que se tem na base da pirâmide decresce à medida que se sobe. Só quando se me apresentou, efetivamente, essa possibilidade, naquele local, é que eu caí em mim e me questionei: “mas é mesmo isto que tu queres?” Não era. Não naquele momento. Sabia de mim própria o suficiente para reconhecer que seria capaz, que teria a capacidade para o fazer, que trabalharia o que fosse preciso para aprender e chegar lá, mas não o queria fazer. Não naquele momento. O meu autoconhecimento dizia-me que ia ser profundamente infeliz, ia ter de tomar decisões que me iam ser particularmente difíceis e não queria fazê-lo antes de experimentar outras coisas.

Todos os dias assistimos a promoções de pessoas excelentes na sua função, mas que, ao assumirem o novo cargo, revelam-se uma desilusão. Passar a gerir equipas, por exemplo, pode ser particularmente complicado (para mim, gerir pessoas é o mais difícil de todas as atividades) para quem sempre trabalhou solitariamente ou em conjunto com os seus pares. Estou a lembrar-me, por exemplo, quando se pega no melhor vendedor para passá-lo a diretor comercial da equipa. Ou num médico dedicado para o pôr a gerir uma área do hospital. Ou num repórter de exceção para o colocar à frente do jornal. Não deixaram de ser os profissionais fabulosos que eram, mas, muitas vezes, são-lhes atribuídas tarefas para as quais lhes faltam competências e experiência. E, ou a empresa assume que os tem de apoiar e cria condições para isso mesmo, ou estas falhas sobrepõem-se às suas capacidades reconhecidas.

Tenho uma amiga que acha que vivermos em função dessa visão pode ser redutor e prender-nos os movimentos. Que, ao acharmos que não queremos, não seremos capazes e pode implicar perdermos oportunidades. No universo feminino, esta decisão pode ser ainda mais condicionante porque há, de facto, oportunidades que surgem menos vezes e somos muito mais cautelosas, temos tendência para não assumir novos cargos, especialmente lugares de topo, se sentirmos que não preenchemos todas as “caixinhas”. Concordo com o ponto de vista dela e, sem dúvida, que acontecerá muitas vezes. Mas o nosso autoconhecimento ajuda-nos a ter a noção do que nos faz felizes e onde somos bons e podemos brilhar, não quer dizer exatamente que deixemos de arriscar. Significa que nos conhecemos o suficiente para responder o mais verdadeiramente possível à pergunta: “vou gostar de fazer isto nos dias bons, nos dias maus, mas, principalmente, nos dias péssimos?” Até porque, ao sabermos do que somos capazes, apercebemo-nos em que temos de melhorar para assumir a função que nos espera. E trabalhar para isso.

O autoconhecimento não é fácil. Não é fácil termos noção de nós. Implica assumirmos que nem sempre tivemos. A noção de nós. E deixar cair algumas expectativas. Recomeçar ou simplesmente continuar a vida de sempre. Voltando à minha história, foi o que eu fiz. Recomecei. Provavelmente, o risco e o caminho escolhido até tem exigido mais do que se tivesse continuado o percurso imaginado por mim à saída da faculdade. O meu autoconhecimento, a minha noção de mim sabia, no entanto, que havia custos que me seriam muito mais caros. Entretanto, aprimorei os talentos que me fazem ser feliz no trabalho e aprendi ferramentas para o que me faltava (e ainda aprendo, todos os dias).

Resumindo, continuo a gostar de fazer o que faço nos dias bons, nos dias maus e nos dias péssimos.

 

Inês Brandão é fundadora e Global Business Manager da Frenpolymer. Leia mais artigos da autora aqui

Publicado a 05 Janeiro 2023

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