Berta Montalvão: O meu maior desafio

A carreira de Berta Montalvão, fundadora da FORSAE – Growing Value e da beGLOCAL, levou-a a viver em quatro continentes. A executiva, que é autora do livro "Carreiras Lusófonas – Experiências e Desafios da Migração", revela neste texto dois momentos do seu percurso que a marcaram como pessoa e profissional.

Berta Montalvão é fundadora da FORSAE e da beGLOCAL e autora do livro “Carreiras Lusófonas – Experiências e Desafios da Migração”.

Berta Montalvão conta com cerca de 20 anos de experiência em consultoria e direção de Recursos Humanos, tendo vindo a desenvolver a sua carreira em vários países lusófonos, como Angola e Timor-Leste, no setor privado, administração pública e agências internacionais/ONG. Em 2018, lançou a FORSAE – Growing Value, uma empresa de consultoria em Timor-Leste, que desenvolve projetos de consultoria e capacitação de quadros. Recentemente, criou também a beGLOCAL, para colocar em prática as suas vivências e experiências internacionais.

A executiva é luso-timorense e representa Timor-Leste na Confederação Empresarial da CPLP e na Lusofonia Digital, enquanto membro da Comissão Executiva de ambas as instituições. Frequenta o doutoramento na área da Sociologia Económica e das Organizações, no ISEG, e no âmbito da sua investigação está a estudar a emigração dos portugueses para Angola nas primeiras duas décadas deste novo século. É autora do livro Carreiras Lusófonas – Experiências e Desafios da Migração.

Neste testemunho, Berta Montalvão conta-nos qual o seu maior desafio.

 

“Desde cedo soube que queria ter uma carreira desafiante, mas nunca pensei que isso implicasse viver em quatro continentes ou trabalhar em contextos menos ‘óbvios’ para uma gestora de Recursos Humanos. Acima de tudo, sempre aspirei desenvolver uma carreira que criasse impacto nos que me rodeiam, com propósito e que me desse a oportunidade de ser uma pessoa cada vez melhor. Talvez por isso não consiga identificar o meu maior desafio. O que aqui partilho são momentos específicos que me marcaram como pessoa e profissional que sou hoje.

Aos 24 anos recebi um convite para emigrar para Angola e isso constituiu um enorme desafio na minha vida. Sair do meu país e da minha zona de conforto, para uma terra que conhecia tão pouco e com uma guerra civil acabada de terminar, pareceu-me desafiante, arriscado talvez, mas ao mesmo tempo estava fascinada com a ideia de iniciar uma carreira internacional num país em que estava tudo por fazer, para reconstruir.

Licenciei-me em Gestão dos Recursos Humanos, no ISCTE, em 2004. Desde logo soube que queria trabalhar com pessoas e para pessoas. Sou fascinada pela gestão, organização e o planeamento das tarefas e dos processos, mas são as relações interpessoais que me acrescentam e que me permitem evoluir. Aos 24 anos recebi um convite para emigrar para Angola e isso constituiu um enorme desafio na minha vida. Sair do meu país e da minha zona de conforto, para uma terra que conhecia tão pouco e com uma guerra civil acabada de terminar, pareceu-me desafiante, arriscado talvez, mas ao mesmo tempo estava fascinada com a ideia de iniciar uma carreira internacional num país em que estava tudo por fazer, para reconstruir.

Começar do zero numa realidade que não é a nossa, não é nada fácil. Chegar a um país onde não conhecemos ninguém, onde não temos qualquer referência ou não dominamos as rotinas e os hábitos sociais foi um verdadeiro vazio nos primeiros tempos. Com o passar do tempo, fui-me integrando na sociedade, travando algumas amizades e aos poucos comecei a sentir-me em casa. Tão em casa que, uma experiência que estava planeada para ser por alguns meses apenas, tornou-se numa realidade de 13 anos.

É verdade que nunca tinha colocado a hipótese de emigrar para África, mas foi a oportunidade que surgiu e não quis deixar passar. Avaliei o desafio como um crescimento profissional e pessoal e aceitei a proposta, sem olhar para trás. Enquanto muitos dos meus colegas de curso ainda estavam em estágios profissionais, eu já dava o salto para outro continente. Angola foi uma grande mudança social e emocional. Começar do zero numa realidade que não é a nossa, não é nada fácil. Chegar a um país onde não conhecemos ninguém, onde não temos qualquer referência ou não dominamos as rotinas e os hábitos sociais foi um verdadeiro vazio nos primeiros tempos. Na altura, em 2005, havia pouca informação sobre a situação do país e ainda não existiam as plataformas digitais que temos hoje. O facto de ser uma apaixonada por conhecer novas culturas facilitou, em parte, a minha adaptação a esta nova realidade. Com o passar do tempo, fui-me integrando na sociedade, travando algumas amizades e aos poucos comecei a sentir-me em casa. Tão em casa que, uma experiência que estava planeada para ser por alguns meses apenas, tornou-se numa realidade de 13 anos.

Dos vários episódios profissionais que vivi em Angola, destaco dois em particular, os quais encaro como das principais fontes de aprendizagem e conhecimento que tive até hoje. Mais do que competências técnicas, deram-me a possibilidade de desenvolver novas capacidades e valências ao nível comportamental e das relações.

 

Viver numa base petrolífera numa zona remota de Angola

O primeiro ocorreu entre 2007 e 2008, quando estive envolvida num processo de recrutamento para o maior projeto de LNG de Angola e um dos principais de África. Durante um ano vivi no norte de Angola, no Soyo, uma zona remota do país e onde uma parte significativa da população não falava português numa base diária, mas o dialeto local. Para contactar com a comunidade local tive de recorrer a um tradutor muitas vezes. Vivia numa base petrolífera, onde praticamente não existiam mulheres e a maior parte das pessoas desempenhava funções muito técnicas de um contexto laboral que não dominava, e tão pouco teria acesso em Portugal.

Aqui, o maior desafio foi conviver num espaço relativamente limitado com cerca de três mil homens. Para passar despercebida, usava roupas simples, com cores neutras, e não usava maquilhagem. Circulava muito pouco nos espaços comuns da base petrolífera e quando não estava no meu local de trabalho, estava no quarto. Não por receio, mas porque tinha a noção de que era uma minoria e tinha de me proteger de alguma forma dos olhares mais indiscretos. Nunca senti qualquer tipo de ameaça ou assédio, mas optei sempre por estar o mais resguardada possível neste ambiente. Tal experiência permitiu-me conhecer os meus limites no que toca a estar em espaços confinados e em ambientes mais exigentes em termos sociais. Tive ainda a oportunidade de me cruzar com pessoas oriundas de países tão diversos, com diferentes culturas e realidades profissionais, o que me proporcionou um enorme conhecimento do setor e crescimento profissional. Esta experiência permitiu-me, alguns anos mais tarde, desenvolver projetos em ambiente offshore, em plataformas petrolíferas, com outra segurança e maturidade.

 

Deixar a PwC para montar uma empresa do zero

A segunda experiência foi igualmente singular. Começar de raiz um projeto na área do retalho, em Angola, no início de uma crise económica, marcou imenso a minha carreira. Ter a possibilidade de estar presente em todas as fases de um negócio, tirá-lo do papel e dar-lhe corpo foi um momento único no meu percurso profissional. Pegar na ideia de negócio e torná-la realidade foi um desafio gigantesco. Para abraçar este desafio tive de tomar a decisão mais difícil da minha vida em termos profissionais – deixar a PwC, uma empresa onde sempre sonhei trabalhar e fazer carreira. Estávamos em 2015, mas considerando que não é todos os dias que nos desafiam a montar uma empresa, optei por deixar para trás uma carreira estável para abraçar um projeto do qual só conhecia a estrutura acionista.

Entrar numa empresa desde o momento zero, em que está tudo por fazer, foi de facto, um dos meus maiores desafios profissionais até hoje. Apesar de nunca ter trabalhado no setor, tive toda a autonomia para escolher a minha equipa, criar as políticas e os procedimentos da direção de recursos humanos. Trabalhei muito e de forma muito intensa durante os 11 meses que antecederam a abertura da primeira loja, em maio de 2016. Durante os meses de preparação, formámos mais de 800 colaboradores, acumulando mais de 100 mil horas de formação. Para além de ter desempenhado a função de Direção de Recursos Humanos, acumulava responsabilidades ao nível da Comissão Executiva.

 

Aventurar-se num negócio próprio em Timor-Leste

Por fim, e não menos desafiante, destaco a minha decisão de abandonar o mundo corporate, em 2018, e aventurar-me num negócio próprio na área da consultoria de gestão de recursos humanos e comunicação, em Timor-Leste. Deixar para trás uma realidade estável em termos profissionais e financeiros, para criar uma empresa num país longínquo, onde nunca tinha vivido, não foi fácil, mas mais uma vez, tudo se faz quando acreditamos que temos as ferramentas necessárias para levar avante os nossos objetivos. Neste país, a minha missão foi retribuir toda a aprendizagem e oportunidades que Angola me tinha dado ao longo de mais de uma década. Poder contribuir para o desenvolvimento socio-económico de um país com poucos recursos e onde ainda existe uma grande lacuna em termos de qualificações e competências fez-me todo o sentido. Esse foi o meu propósito. Cinco meses depois de ter regressado de Angola para Portugal, voltei a fazer a mala e embarquei num novo desafio que foi retribuir o que me deram no passado. Esta experiência teve ainda um maior significado por ser luso-timorense e, no fundo, estava a voltar a casa, sem saber o que isso significava.

 

“It always seems impossible until it’s done”, de Nelson Mandela, é a minha life quote e talvez por isso esteja constantemente a desafiar-me, à procura de novos projetos com propósito. Quando sinto que a minha missão está concluída procuro novos desafios, mesmo que pareça impossível. O mais recente foi compilar 16 histórias reais num livro que retrata a vida de emigrantes e/ou filhos de imigrantes.”

 

Leia mais testemunhos O Meu Maior Desafio aqui.

Parceiros Premium
Parceiros