A pintura como meditação

Foi diretora de arte em agências de publicidade durante sete anos. O nascimento da sua filha foi o ponto de viragem na carreira. A pintura, sempre presente, tomou o lugar principal. Hoje Susana Chasse desenvolve o seu projeto artístico e dá workshops e cursos sobre a pintura como meditação

Susana Chasse: "O meu trabalho espelha o interesse pelo estado de consciência ligado à postura contemplativa.”

“Escolhe um trabalho de que gostes e não terás de trabalhar um único dia na vida”, ensinava Confúcio há mais de 2500 anos. A máxima do filósofo e professor chinês está presente na vida que Susana Chasse escolheu, quando trocou a publicidade pelas artes plásticas. “Isto é o que tinha de fazer na minha vida. Por isso é que tenho a sensação de que não trabalho”, afirma fazendo o balanço da sua reconversão profissional. Esta opção foi tomada quando foi mãe, o que lhe permitiu também ter mais tempo para acompanhar a filha, Luz.

Enquanto se licenciava em design gráfico no IADE, Susana Chasse frequentava o curso de Desenho na Sociedade Nacional de Belas Artes (SNBA). Foi convidada para assistente do escultor Quintino, tendo lecionado Desenho nesta instituição durante vários anos. Conquistou o primeiro prémio do concurso lançado aos alunos finalistas para a criação do logótipo da Xangrilá, Produção e edição de Som, o que lhe abriu as portas para trabalhos como designer gráfica para editoras de música, com artistas como Rodrigo Leão, Jacinta, Cristina Branco ou Rão Kyao. Colaborou com a Editora Mundos Paralelos, criando a imagem corporativa e capas de livros, incluindo as ilustrações.

Depois da licenciatura, trabalhou como diretora de arte em agências de publicidade e comunicação, tendo desenvolvido campanhas para clientes como TMN, CGD e Superbock. A entrada no mundo da publicidade aconteceu quando, através de uma professora do IADE, soube que a agência FCB precisava de ilustradores. À sua atividade de professora na SNBA e estudante no IADE passou a somar-se a publicidade, pois passados três meses já era diretora de arte.

A inspiração é aquela coisa que acontece durante o trabalho.

Hoje, inteiramente dedicada à pintura e ao desenho, Susana Chasse desenvolve “um trabalho que espelha o interesse pelo estado de consciência ligado à postura contemplativa”, que iniciou com a tese de mestrado “Desenho como Meditação. O Olhar que Contempla” defendida no IADE em 2010. Realiza workshops e cursos de desenho, ensinando desenho de modelo, no Centro de Formação Artística Nextart, onde leciona desde 2007.

Foi comissária de programação da Trienal de Desenho 2012 e já realizou várias exposições individuais e coletivas, recebendo prémios a nível nacional e internacional. Já este ano recebeu o 1º Prémio da 3ª. Bienal Internacional Mulheres d’Artes. No início de dezembro vai fazer uma exposição na Figueira da Foz, com Rui Tavares, o seu companheiro. Em Junho 2016 terá uma exposição individual na Galeria São Mamede, em Lisboa.

Os artistas têm fama de desorganizados e lunáticos, mas a descrição não se aplica a si.
Ao contrário do que às vezes transparece ou se pensa, os artistas trabalham muito, arduamente. A inspiração é aquela coisa que acontece durante o trabalho. A criatividade não nasce da balbúrdia, nasce da disciplina. Provavelmente porque a minha base é de design, fui sempre habituada a cumprir prazos, a ter atenção a todos os pormenores. Trabalhei sete anos em publicidade, como diretora de arte, e essa experiência foi fundamental para que eu hoje consiga organizar exposições, com planeamento, com método, com conceito. Enviar um quadro a horas, com tudo o que é suposto, é para mim um descanso: entrego e nunca mais penso naquilo. E a pessoa que o recebe também não gasta essa energia. Além disso, a adrenalina da publicidade, da criação, de pensar em conjunto, o conceito, essa ginástica mental foi fundamental para o meu trabalho como artista plástica.

Eu acredito também naquele artista mais caótico, temos casos desses. Normalmente as pessoas que têm talento são as mais preguiçosas. Percebo: aquilo sai logo! E há aqueles que têm pouco talento e fartam-se de trabalhar. Mas se juntarmos as duas coisas o resultado só pode ser melhor. A disciplina dá a profundidade e a maturidade do trabalho. A disciplina dá-nos a possibilidade de irmos profundamente no trabalho que estamos a fazer.

 

Fade (in:Out)

Fade (In/Out)

A meditação é um processo criativo ou o tema das suas obras?
É um estar. Não há separação entre os dois. Ao longo destes anos, percebi que como tenho esta ligação tão intensa com o desenho, posso estar 5, 6 ou 7 horas seguidas a desenhar, sem me cansar. Nós só nos cansamos quando entramos numa zona do futuro: “tenho de fazer isto e aquilo”. Ou do passado: “devia ter feito e não fiz”. Isso tira-nos energia. Se estivermos inteiramente presentes, não nos cansamos.

Gostava que os meus quadros fossem como descobertas científicas.

Quando comecei a fazer vários tipos de workshops de meditação, percebi que o estado a que eu chegava através destas meditações (que eram de ação, e não estar parada) era exatamente o mesmo que eu atingia quando desenhava. Apercebi-me que os dois eram um, que aquela postura que eu tinha no desenho era um estado meditativo. Estou totalmente, não há 1% meu que esteja noutro sítio que não aquele.

Para além disso, a abstração que aparece nos meus trabalhos é o desligar-me dos conceitos e das ideias que tenho das coisas, e conseguir estar e vivenciar numa zona que eu própria desconheço e que vai acontecendo e se vai tornando visível naquele suporte. Isso dá-me a sensação que estou a plasmar alguma coisa que ninguém vê mas que existe em todo o lado.

A meditação mudou a sua pintura?
Completamente. Quando fazia desenho de modelo, sentia-me quase como se tivesse de corresponder a determinadas expetativas, minhas e do outro que vê. Isto é uma escravatura, não queria estes limites do corpo, estes limites das coisas. Decidi: “vou fazer o que me apetece, mesmo que não valha nada.” Nesse momento comecei a riscar, nem considero aquilo desenho. Riscar.

Vejo pouco o trabalho de outros artistas porque fico sem saber o que é meu e o que aquilo que eu vi.

Quando as pessoas veem o meu trabalho dizem que faz lembrar isto ou aquilo. É a tendência natural para um certo conforto porque se me lembrar uma coisa que eu conheço, de alguma forma eu controlo, posso conversar sobre. Mas para mim aquilo não é nada e pode ser tudo.

Gostava que os meus quadros fossem como descobertas científicas. Antes os artistas tinham esse interesse por tudo o que se está a passar: na medicina, na ciência, na política, os pensadores, tudo isso fazia parte do processo de curiosidade. O processo que eu estou a viver como artista plástica tem a ver com tudo o que estamos a viver a outros níveis.

Micro Selfie n.º 1

Micro Selfie n.º 1

Em que corrente se enquadra a sua forma de expressão?
Eu gostava de pensar que em nenhuma. Todos os artistas gostariam. O facto de me inserir numa corrente é como ter um religião, um partido político ou um clube de futebol – eu não tenho nada dessas coisas. Porque há sempre um compromisso sobre determinadas regras. Por outro lado, não consigo reconhecer-me em nenhum grupo. Provavelmente teria de juntar um Cézanne com um Turner, mas fazem parte de movimentos diferentes.

Nós, artistas, temos uma grande responsabilidade por aquilo que deixamos para os outros.

Eu vejo pouco o trabalho de outros artistas porque funciono muito a nível visual e os meus olhos são como uma esponja, absorvem muita coisa. Depois fico sem saber o que é meu e o que é o que eu vi. Quanto mais sei dos outros artistas menos saberei de mim. Vejo aqueles artistas que são derradeiros e fico rendida, nem mexo, a olhar. Mas mesmo esses evito se estiver em processo de criação.

Segundo dizem, o meu trabalho é relacionado com a abstração. Eu costumo dizer que é uma coisa que não existe. Os impressionistas não são abstractos, plasmam a luz das coisas, mas também há um certo efémero e invisibilidade das coisas. Esta árvore é assim agora, mas daqui a umas horas será diferente. Digo que sou uma impressionista abstracta.

Expressa emoções?
O meu trabalho não tem nada a ver emoção. Se estou “chateada” não vou trabalhar. Entro no atelier e entro numa zona em que não se está a passar nada: não estou nem feliz nem triste. Se a pessoa está deprimida e desata a pintar, o que vai ficar são vómitos. E as pessoas que vão ver sintonizam esse desconforto emocional.

Nós, artistas, temos uma grande responsabilidade por aquilo que deixamos para os outros. Podemos ter a capacidade de lhes relembrar de coisas que as pessoas se esquecem, que tem a ver com elevação, a sua beleza interior, a sua abrangência.

Qual considera que é o papel é o estatuto do artista na nossa sociedade?
Esta coisa da elevação através do trabalho é é uma coisa considerada ultrapassada, até pirosa. Quando temos essa pretensão no trabalho somos associado ao new age. O trabalho do artista reflete os tempos que estamos a viver: tem a ver com modas, com lucros e o seu estatuto passa por outras coisas que não propriamente o trabalho. Eu acho que o artista tem uma responsabilidade na comunidade, na vida das pessoas.

Continua a meditar?
Continuo a trabalhar. O trabalho é a minha meditação. Uma coisa não está separada da outra. Estou a viver a minha vida de tal maneira que isto é o meu wokshop de meditação contínuo.

Qual o balanço que faz da sua mudança profissional?
Foi a melhor coisa que eu fiz. Isto é o que tinha de fazer na minha vida. Tenho a sensação de que não trabalho porque o que eu faço é aquilo que eu tinha de fazer. Sou eu. Não trocaria isto por nada deste mundo.

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