Em criança adorava ver os Jetsons, desenhos animados sobre uma família que vivia no espaço, a série “Caminho das Estrelas” e “Perdidos no Espaço”. Estava-se na época em que o Homem pousara pela primeira vez em solo lunar e as crianças sonhavam em ser astronautas. Alice sabia que certamente seria exploradora do espaço um dia. Sempre quis ter um trabalho emocionante, em que não houvesse rotinas. Hoje, os seus dias mais interessantes são aqueles em que acontece o inesperado. O que não é difícil de acontecer quando se trabalha com uma nave especial que explora o deep-space, o espaço nos limites do Sistema Solar.
No laboratório todos a tratam por Mom (mamã), o acrónimo de Mission Operations Manager.
Alice Bowman é a primeira mulher do Laboratório de Física Aplicada da Universidade de John Hopkins a dirigir uma missão espacial da NASA, a Agência Espacial norte-americana. No laboratório todos a tratam por Mom (mamã), o acrónimo de Mission Operations Manager. Sob a sua responsabilidade está o comando operacional da missão New Horizons a Plutão, que fez história em 14 de Julho com um voo não tripulado de aproximação a Plutão à mais curta distância de sempre, obtendo as imagens com maior resolução e detalhe da superfície do planeta-anão alguma vez captadas.
A engenheira física de formação deu uma palestra na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT-UNL), no âmbito dos American Corners Portugal, programa patrocinado pela Embaixada dos Estados Unidos da América. Nessa ocasião, para uma plateia cheia de estudantes e professores, contou que esta missão teve início há nove anos e meio, com o lançamento da nave espacial a perto de 58 mil quilómetros por hora, o lançamento mais veloz alguma vez feito a partir da Terra.
Alice Bowman está habituada a falar da missão ao público em geral, algumas vezes por ano, mas sente-se pouco confortável a falar de si própria. “É novo para mim ter pessoas interessadas em mim.” Definitivamente o seu trabalho não é uma rotina. Nesta entrevista à Executiva conta que trabalha muito e tem de estar disponível 24 horas por dia, mas que quando vai para casa tenta não pensar no trabalho.
Tudo começou em 2001, com a proposta de financiamento para construir a nave.
Qual foi o dia mais memorável da sua carreira?
Foi recentemente, com a maior aproximação a Plutão, a 14 de Julho, quando tivemos o último contacto com a nave espacial antes de ela atravessar aquela parte mais perigosa do sistema de Plutão. Depois tivemos de esperar que o sinal regressasse, esperando que nos dissesse que a nave estava de boa saúde e tinha gravado todos aqueles dados. Foi um período muito escasso de tempo: tínhamos apenas quinze minutos para estabelecer esse contacto.
Nessa manhã cedo estivemos através da Rede de Espaço Profundo [rede de antenas internacionais para realizar comunicações e monitorização de diversas naves espaciais no espaço], a enviar sinais através da atmosfera para ver se detectávamos composições para uma das experiências. Foi um dia muito especial, muito atarefado. Fiquei muito surpreendida com o interesse que as pessoas de todo o mundo tinham pela missão e pelas fotografias que recebemos.
Foi o culminar de anos de trabalho e de pesquisa.
Tudo começou com a proposta para a missão, em 2001. Em 2002 recebemos o financiamento da NASA. Construímos a nave espacial e lançámo-la em 2006. Desde então, durante nove anos e meio, temo-la guiado até Plutão. Para muitos de nós são 14 ou mais anos de trabalho
Esteve no projeto desde a sua preparação para obter o financiamento?
Sim. O nosso investigador principal, Howard Stern, tentava ter uma missão a Plutão desde 1989. Para ele e muitos dos cientistas que trabalham na sua equipa representa muito mais tempo. [No vídeo (em baixo) ele vem com os braços no ar, em sinal de vitória].
A recompensa de um trabalho destes está muito longínqua.
Sim, é preciso ser muito paciente e persistente.
Quando se lidera uma equipa tem de ter boas capacidades de comunicação. É preciso também saber ouvir
Que outras características se deve ter para se ser um bom cientista?
Para além dos conhecimentos em ciência e engenharia, quando se lidera uma equipa tem de ter boas capacidades de comunicação. É preciso também saber ouvir todas as pessoas da sua equipa; há pessoas que não tomam a iniciativa de falar, mas enquanto líder tem de trazer os seus inputs porque é toda a equipa que torna esta missão tão bem sucedida. Penso que estas soft skills são muito importantes para o sucesso. As mulheres são mais propensas para estas soft skills. É mais fácil para nós.
Recebeu algum treino ou formação em gestão e relacionamento interpessoal?
Tive formação quando me tornei supervisora do laboratório. Mas sinto que muito das minhas capacidades surgem naturalmente.
Quase 50% equipa de operações da missão é constituída por mulheres.
Porque é que continua a haver tão poucas mulheres na ciência?
Em todo o programa New Horizons, temos centenas de pessoas, das quais cerca de 25% de mulheres. Na equipa de operações da missão, que é a que lidero, temos quase 50% de mulheres. É uma grande proporção, comparada com outras programas. Não posso dizer que tivesse consciência disso, antes de as pessoas me começarem a colocar essa questão. Porque nunca senti que não fui selecionada ou que fiquei retida porque sou mulher. Sempre fiz o meu melhor e senti que conseguia as posições por causa disso.
Talvez as coisas estejam a mudar. Quando eu era pequena havia muitos movimentos feministas. Talvez eles tenham aberto o caminho para nós, que viemos mais tarde, e as oportunidades estão aí.
Sempre quis aprender o máximo que podia, mesmo das áreas pelas quais não era responsável.
Como surgiu a oportunidade de ser selecionada para este trabalho?
Sinto que me preparei, não necessariamente para este trabalho em particular. Trabalhei arduamente e sempre tentei compreender os trabalhos que as pessoas à minha volta estavam a fazer, para estar preparada, no caso de ser necessário assumir essas funções. No meu ambiente de trabalho tentei sempre aprender o máximo que podia, mesmo das áreas pelas quais não era responsável. Acho que fui selecionada por causa dessa experiência.
Qual o seu conselho a uma jovem cientista que quisesse ter sucesso nesta área?
Não se sinta limitada. Se quiser fazer algo, avance, faça e não se deixe que o que os outros lhe possam dizer a desviem desse objetivo. Tenha competências alargadas. Pode concentrar-se na sua área de interesse, mas preste também atenção a soft skills, como a liderança e comunicação. A comunicação é extremamente importante porque se não consegue comunicar o que sabe as pessoas não saberão a experiência e os conhecimentos que tem. Não menospreze esta parte.
Toca clarinete.
Ocasionalmente toco clarinete. O meu marido é músico de bluegrass [género de country music) ] e ensinou-me a tocar baixo elétrico. Às quartas-feiras de vez em quando fazemos uma jam session [evento musical de improvisação]comunitária e eu toco baixo elétrico.
Ter outras coisas para fazer dá-nos equilíbrio.
Como faz para ter tempo para tudo?
É importante. Depois do trabalho, quando tenho de ir, muitas vezes penso que estou demasiado cansada e preferia ficar em casa e descansar. Mas depois é muito poderoso e enriquecedor. Dá-me uma hora para relaxar, para o cérebro pensar noutra coisa. Ter outras coisas para fazer dá-nos equilíbrio
Qual seria a banda sonora da passagem da nave New Horizons por Plutão?
Nunca pensei nisso. O que me vem à mente agora é Rocky.
Como é o seu dia de trabalho?
Temos uma equipa muito pequena e estou sempre disponível. Sempre que alguma coisa corre mal com a nave, recebo um telefonema. Nesse sentido, estou disponível 24 horas por dia. Mas normalmente levanto-me às cinco/cinco e meia e começo a trabalhar às sete. Vejo o que aconteceu na nave desde que saí, registo isso e vejo o que é preciso fazer. Leio o mail e tomo café, como em todos os empregos. Normalmente há um conjunto de comandos que enviamos para a nave e devem ser revistos, para ver se está tudo bem ou precisam de ser alterados.
Por exemplo, agora estaria a negociar tempo da Rede de Espaço Profundo com outras missões, para agendar o contacto com a para meados de dezembro. Há sempre reuniões. Nalgumas participo, noutras lidero. E há interações com a minha equipa: vejo se têm tudo o que precisam para fazer o seu trabalho, porque esta é uma parte importante do meu trabalho. Normalmente não almoço. Tenho um tempo reservado para ir ao ginásio. E deixo o trabalho por volta da sete ou sete e meia da tarde. Gosto de sentir que sei tudo o que se passa de forma que posso ir para casa e não pensar no trabalho.