Há dois anos, em vez de estar a ensaiar e a produzir uma peça de teatro para o palco do Villaret, Maria Clementina Almada, de 42 anos, aplicava em casa um programa de aceleração neurológica de origem norte-americana – método Doman – com a sua quarta filha Vera, que nasceu em 2020 com uma malformação severa no cerebelo e com um prognóstico de uma deficiência muito grave. Os resultados foram tão surpreendentes que Vera já está graduada do programa, frequenta a escola e faz tudo o que uma criança de quatro anos faz (e até um pouco mais). Personificando o fenómeno da neuroplasticidade na primeira infância, Vera dá o mote ao documentário que a mãe está empenhada em concretizar, em conjunto com a Bro Cinema, estando em fase de consolidação de parcerias que viabilizem a produção de uma longa-metragem que possa ter o maior impacto possível, a nível nacional e internacional. É por isso que Maria Clementina, autora do podcast “Não Disfarces”, copywriter, criadora de conteúdos, mentora de gravações musicais, se apresenta também como “mãe do Método Doman”.
Trabalhou em comunicação e gestão de marcas e mais tarde, na área da Inovação Social. Desde 2014 que se dedica em regime freelancer à redação de conteúdos, locuções e produção e mentoria musical em estúdio. Participou numa série de projetos editoriais e é autora de dois livros infantis. Participou em peças de teatro musical de caráter amador e fez dobragens de desenhos animados para cinema. Em novembro de 2023 lançou o podcast “Não Disfarces”, o seu primeiro projeto de maior exposição pública, onde interpreta 9 personagens fictícias para caricaturar os 9 tipos de personalidade do Eneagrama, à conversa com Vítor Costa, facilitador deste sistema de conhecimento milenar. Maria nunca imaginou que as suas mulheres fictícias pudessem gerar tanto impacto nas redes sociais e rapidamente decidiu escrever o guião de um espetáculo ao vivo que desse continuidade à narrativa humorística lançada na arena digital. É assim que se prepara para subir ao palco do teatro Villaret, com estreia marcada para 15 de Maio, cabendo-lhe a produção da peça de A a Z, algo que sempre sonhou fazer. Garante que se tiver que reescrever a sua agenda daqui a um ano, o mais provável é que envolva outra coisa qualquer, pois enlouqueceria se não se estivesse sempre a reinventar. Ou não fosse um tipo de personalidade 4, como revela no 5.º episódio do seu podcast.
7h10
Ainda há de chegar o dia em que eu me levanto energicamente da cama para aproveitar por breves minutos o silêncio da casa e organizar mentalmente toda a minha jornada… só que não. Por isso invariavelmente digladio-me com o despertador e deito por terra o hipotético cenário de fazer tudo com calma, em troca de umas migalhas de sono intermitente e culpado. Às 7h25 rebenta a bolha e levanto-me esbaforida, não sem antes dizer para mim própria “hoje vai ser um dia bom”. Espreito o Instagram do “Não Disfarces”, leio uma ou outra notícia, arranco as três crianças mais novas da cama (sim, porque chega a ser a Clara, a mais velha, de 14 anos, a acordar-me) e seguimos para o pequeno-almoço. Às 7h55 saio para levar a Clara à escola e confesso que em 80% das vezes ainda envergo o pijama, porém bem disfarçada com um belo casaco por cima, cabelo penteado e, com sorte, até marcha um rímel (não vá eu bater com o carro, salvaguardando, pelo menos, um certo grau de civilização da cintura para cima, se tiver que sair da toca para assinar uma declaração amigável!) Duas vezes por semana vou direitinha à minha aula de ginástica que começa às 8h15. Nas restantes manhãs, regresso ao lar e apanho ainda a outra leva dos três mais novos a sair de casa com o meu marido, trocando uns rápidos beijinhos e várias recomendações. Nesses dias, sigo para o duche e estou antes das 9h em frente ao computador.
9h30
Se for dia de ensaio da nossa peça de teatro, já estou a essa hora perfilada no “local do crime” a ultimar preparativos. Trata-se da cave do prédio dos meus pais, a uma rua de distância de minha casa. O Vítor – meu contracena – e o André Lourenço – nosso encenador – chegam pelas 9h50 e às 10h em ponto estamos a começar a ensaiar, nesta fase, já com figurinos e adereços. É de ressalvar que a cave não obedece exatamente às dimensões do palco do Villaret, por isso a imaginação e a flexibilidade mental são ferramentas aqui muito bem-vindas. E pensando bem, é uma enorme vantagem poder ter este local de ensaios sempre à mão, a qualquer hora do dia, sem depender de nenhum aluguer a terceiros de uma sala eventualmente com mais condições, mas menos acessível. Já nem concebo a realidade de outra forma que não esta. Acabo por ir lá variadíssimas vezes por dia organizar coisas para o próximo ensaio, por vezes, mesmo antes de me deitar. Passou a ser o meu lugar sagrado, onde fico por muito tempo sozinha a estudar as falas e as diferentes fisicalidades que cada personagem pede. Não havendo ensaio, atiro-me às mil e uma frentes que a produção deste espetáculo requer. A constante reescrita do guião, a criação e design dos diversos conteúdos de comunicação, a angariação de investimento, a articulação com a sala de espetáculo, compras de figurinos e adereços, o controlo orçamental, a promoção do espetáculo e do podcast nas redes sociais e na imprensa, as visitas técnicas, a gravação de falas em estúdio, os registos e licenças de utilização disto e daquilo, os arranjos musicais, contratar um fotógrafo, um videógrafo, articular tarefas com o técnico de som ou o desenhador de luz….
13h00
Almoço quase sempre em casa, habitualmente a ouvir um podcast. O menu varia entre “rédon” ou ovos com cogumelos, caso o frigorífico esteja vazio. Sopa há sempre feita. Muitas vezes aproveito esta altura para publicar o reels “Não Disfarces” no Instagram, Tiktok e Youtube, constatando que não fui feita para ser influencer. Permito-me um almoço lúdico com uma amiga, em média, de dez em dez dias, vá. E se esse encontro pessoal ultrapassa os 90 minutos, a minha serenidade entra em falência e já me sinto à beira do pecado mortal. Há que contrariar esta minha obsessão pela maximização do tempo, só perco com isso.
13h45
A “trabalhar o trabalho”, o qual, somando à produção da peça de teatro, poderá ser a revisão de uma candidatura do documentário “Vera” a uma linha de financiamento para a sua futura produção, uma locução para publicidade, uma reunião de briefing para a redação de uma letra personalizada de uma canção (seja o hino de uma empresa ou a homenagem à data especial de uma família), seguindo-se uma ida a estúdio, onde apoio musicalmente o grupo de cantores, preparado para gravar e filmar. Qualquer listagem de ações será sempre redutora. Ou porque um dos filhos fica doente em casa. Ou porque chovem 50 mensagens de grupos de WhatsApp de pais mais voluntariosos do que eu, onde somos solicitados para um rol infinito de tarefas administrativas. Ou porque recebo um pedido de levantamento de dinheiro para uma ida ao açaí, a meio de um raciocínio elevadíssimo. Ou porque tenho de ir a uma consulta do aparelho, do neuro pediatra, ou do oftalmologista com um deles e por aí fora.
15h40
Deadline para sair de casa e chegar a tempo de buscar a minha filha mais nova na escola, sem ter que assinar um humilhante papel denunciador dos pais que chegam 5 minutos atrasados (devo bater o recorde do número de assinaturas). Juntam-se os meus outros filhos e a minha logística de motorista difere todos os dias conforme as atividades extra-curriculares de cada um. Tenho uma pessoa que me ajuda nesta distribuição de jogo, pois há várias colisões de horários em pontas da cidade opostas. Isto é o cenário ideal. O que muitas vezes acontece na prática, é que não consigo ser eu a buscá-los e estico mais uma hora de trabalho que seja, até eu ser completamente insubstituível no lufa-lufa das atividades pós-escola.
18h15
Sempre que consigo, aproveito para trabalhar até à hora do jantar no escritório. Às vezes estou ao computador como se estivesse debaixo de fogo, em pleno campo de batalha. Acontece ultimamente sentar-me também ao piano a inventar melodias, embora não saiba tocar nem ler partituras. As crianças entram e saem desta divisão. Desarrumam gavetas, usurpam agrafadores, canetas e papéis da impressora, e eu mantenho-me estoica e alheadamente a escrever ou a tocar, como se nada fosse comigo. Sinto-me o jogador de xadrez de “Os grandes Indiferentes” de Ricardo Reis. Ok, por vezes dou apoio em trabalhos de casa ou dou um arzinho da minha graça num puzzle ou no jogo da memória com a Vera. Ponho-lhe creme depois do banho e seco-lhe o cabelo.
19h30
Hora marcada para jantar, embora na prática a hora real é mais próxima das 20h. No final, há sempre perguntas para fazer para um teste que aí vem, uma brincadeira, uma ou duas histórias para contar, várias ordens para irem lavar os dentes, orações da noite e “cafonés” para cumprir.
22h00
Saio das trincheiras. Vivo o meu tempo. O único em que não me considero a prevaricar. E onde mais descambo ao nível do açúcar. Todas as vitaminas e promessas sãs do pequeno-almoço são desperdiçadas à medida que uma tablete inteira é devorada.
Releio mentalmente o guião da peça de teatro. Exploro novas abordagens ao espelho.
Tenho lido mais livros do que visto séries. Ultimamente, remato com um shot de poesia, mesmo antes de apagar a luz. Ando a esforçar-me para adormecer pelas 23h30.
Pelo menos uma vez por semana saímos deste “ram-ram” para ir a um teatro, uma palestra, uma inauguração de uma exposição, um concerto ou simplesmente ao cinema. Sem contar com o fim-de-semana. É um bálsamo absolutamente essencial.
Leia A Agenda de… outras executivas.