Arte portuguesa e moda, a combinação que inspira negócios

Falámos com três marcas nacionais que apostaram na Arte e iconografia portuguesas para as suas criações. À frente têm mulheres empreendedoras, que querem ver o seu negócio crescer, valorizar o património cultural e, pelo caminho, ainda conquistar o mundo.

Carlota Costa e Margarida Jácome, da âme moi.

A obra dos pintores portugueses e os símbolos da iconografia nacional estão a ser celebrados também com a criação de novas empresas e coleções. Provam-no a Antiflop e a âme moi, ligadas ao design de acessórios de moda, e a (think) out, com o seu design de souvenirs orientados para o turismo (e não só). São empresas jovens que viram nesta combinação a oportunidade de criarem peças marcadas pela originalidade e pela herança cultural portuguesa: das carteiras de luxo inspiradas na pintura de Amadeo de Souza-Cardoso e com a assinatura da Âme Moi, aos lenços e túnicas que reproduzem quadros de Nadir Afonso, Sofia Areal, José de Guimarães e outros artistas que compõem o portfolio da Antiflop, passando pelas t-shirts e utilidades com os símbolos nacionais estilizados e reinventados pela (think) out.

A coleção cápsula inspirada em Amadeo

O mediatismo das exposições que têm vindo a celebrar a obra de Amadeo Souza-Cardoso, assinalando o centenário da sua morte, chamaram a atenção da âme moi para a criação da coleção cápsula ‘Pour Lucie’, diz-nos Mariana Donato, diretora comercial desta marca de carteiras de luxo. O nome inspira-se em Lucie Meynardi Pecetto, a jovem de ascendência italiana por quem o pintor modernista português se apaixonou e com quem veio a casar.

Fundada em Famalicão por Alberto Gomes e Margarida Jácome (que, com Carlota Costa, também compõe a dupla criativa da marca), a âme moi já conquistou fashionistas em todo o mundo, espaço em locais privilegiados como os armazéns londrinos Harrods e Selfridges, e já viu modelos seus serem usados pela Rainha Sofia de Espanha ou Athina Onassis. Vocacionada para os mercados de luxo internacionais, está ainda presentes em pontos de venda multimarca na Ásia, África e Europa.

Chiado Pour Lucie é a primeira de seis carteiras da âme moi inspiradas em Amadeo Souza-Cardoso.

Segundo Mariana Donato, “a ideia de incorporarmos obras de Amadeo nas nossas coleções foi imediata; juntar duas artes completamente diferentes que, de alguma forma, se complementam. Tínhamos a certeza que ia ser um sucesso. A escolha da obra ‘Clown, cavalo e salamandra’ em tudo tem a ver com a inspiração da marca: o cavalo.” A obra do pintor modernista português já contém, à partida, elementos que a tornam numa inspiração de eleição: “O movimento das obras na tela, as cores vivas de algumas das suas obras mais conhecidas, o uso de figuras geométricas, tons e texturas sobrepostos. Numa época em que a tendência são as carteiras estruturadas e a mistura de texturas, esta inspiração nas obras do Amadeo traria algo diferente à nossa coleção e respeitava as tendências.”

Para porem a ideia em marcha contactaram a sobrinha trineta de Amadeo, Isabel Rebello de Andrade. “Juntámos a Isabel à nossa equipa de design e começaram logo a trabalhar no projecto. Felizmente as ideias, tanto de um lado como do outro, encaixaram e por isso é que esta Chiado Pour Lucie é a primeira de seis carteiras.” As outras cinco carteiras serão inspiradas sempre numa obra diferente de Amadeo e serão todas lançadas até 2018, explica-nos a diretora comercial.

A recetividade internacional a esta coleção cápsula tem sido muito positiva, garante Mariana. “Tem sido visto como um projeto inovador de uma marca que apenas lançou a sua primeira coleção oficial o ano passado. A âme moi é uma marca que é vista com um design que se destaca pela diferença e pela qualidade dos materiais. Desde o lançamento que a marca tem ganhado adeptos nos quatro cantos do mundo e isso só nos dá mais força para abraçarmos projetos e parcerias como esta. Trabalhámos e continuamos a trabalhar para termos o estatuto que temos, o que não é fácil num mercado tão concorrencial como é o mercado da moda.”

Teresa Bacalhau juntou na Antiflop a sua experiência na moda com o fascínio e paixão pela arte.

Vestir a arte

Teresa Bacalhau trabalhou sempre no sector da moda e vestuário, onde já fez de tudo, “criar coleções e padrões, gestão de lojas, consultoria, buyer…” Decidiu aliar esta vocação ao seu “fascínio e paixão pela Arte”, cujos conhecimentos aprofundou com um curso na Ar.Co e, em maio de 2014, criou a marca Antiflop, com lenços, écharpes e túnicas que reproduzem obras de grandes artistas nacionais. “A ideia surgiu quando quis criar uma marca intemporal. Esta foi a ideia base; logo de seguida pensei em aliar arte e moda foi como fazer magia.”

Mas para pôr a ideia em marcha é preciso contactar com os artistas e propor-lhes a parceria. Estarão eles recetivos à ideia de democratizar a sua obra desta forma? “De uma forma geral, quando apresentamos o projeto todos acham a ideia fascinante, por isso não tem sido difícil. Só alguns acham que a arte não se deve vulgarizar. Temos que respeitar… Se o artista está vivo, a escolha da obra a reproduzir passa por ambos. No caso de Sofia Areal foi um projeto elaborado em conjunto; com Nadir Afonso também foi escolhido por mim e pela Dr.ª Laura Afonso. Com o Amadeo de Souza-Cardoso e José de Guimarães, fui eu escolhi a obra…” Teresa confessa que “adorava ver Júlio Pomar, Manuel Cargaleiro, Vieira da Silva e muito mais” reproduzidos em breve nas peças Antiflop.

Para que a qualidade de reprodução não se perca, a escolha do material adequado é muito importante. “A seda é realmente a melhor matéria-prima, mas as écharpes em caxemira e modal também ficam maravilhosas.” Apesar de criar peças mais orientadas para a moda feminina, Teresa acredita que “as écharpes podem ser usadas por todos. Não tem sido fácil entrar no universo masculino, por isso criamos os pocket square, lenços de bolso. A minha peça preferida é o lenço; nunca saio à rua sem um lenço ou écharpe da Antiflop — e também é um cartão de visita.”

Uma peça foi feita em conjunto com Sofia Areal.

Para já, as peças com reproduções de Nadir Afonso e Amadeo de Souza-Cardoso são os best-sellers da marca, com os lenços em seda e écharpes grandes a revelarem-se os formatos preferidos. “Estes são os artistas mais conhecidos e foram mais falados de 2016. A abertura, em 2016, do Museu de Arte Contemporânea Nadir Afonso em Chaves, bem como as exposições de Amadeo no Grand Palais (Paris), Museu Soares dos Reis e no Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, fez a diferença nas vendas.”

Num negócio que junta moda e artes plásticas, a escolha da localização dos pontos de venda é um fator essencial para o sucesso. “Não queremos estar presentes só em museus. Queremos posicionar-nos entre a arte e a moda, portanto, boutiques, lojas de lifestyle e museus são os nossos pontos de venda. É importante mantermos os nossos produtos na área de moda. A nossa presença nos três estabelecimentos Loja das Meias tem sido um sucesso. Os museus, pouco a pouco, estão a mudar e começam a ter nas suas lojas excelentes produtos de moda.”

A marca também quer expandir-se e levar a arte nacional ao estrangeiro. “É fundamental para o crescimento. Em março vamos avançar com uma plataforma para lojistas puderem comprar online e já começamos a contatar lojas pelo mundo.”

Patrícia Rodrigues celebra a cultura popular na (think) out.

Portugal no coração

Foi a “paixão pela nossa cultura, que tem um enorme potencial económico pela via do turismo, nacional e estrangeiro”, que deu à designer Patrícia Rodrigues a ideia de negócio para criar a (think) out, marca de lembranças que celebram a cultura popular portuguesa. Para ilustrar as suas coleções, Patrícia reinventou símbolos da iconografia nacional como as tradicionais sardinhas com padrões de azulejo ou a guitarra portuguesa rendilhada com a filigrana dos Corações de Viana. E foram estes símbolos — e, curiosamente, o Mundial de Futebol de 2014 — que funcionaram como centelha criativa para o projeto. “A inspiração surgiu do Coração de Viana. Os meus pais são da região e, aquando do Mundial de Futebol de 2014, elaborámos uma t-shirt de apoio à Seleção que partia desse símbolo. O que começou como uma simples expressão de apoio completamente despretenciosa, acabou por ser o mote para explorar os nossos ícones e tradições. Começámos por explorar alguns dos mais reconhecidos pelo público, de modo a medir a aceitação do design. Foi tão boa que decidimos continuar.”
A marca está já presente em lojas de monumentos como o Palácio da Ajuda e Panteão Nacional, no Museu Nacional de Etnografia, em postos de turismo e lojas especializadas. O crescimento do sector do turismo favorece o potencial do negócio. “Pretendemos aproveitá-lo e, simultaneamente, reinventar a tradição através de design de qualidade. Há imensos produtos no mercado que procuram assinalar a nossa iconografia junto dos turistas, mas com pouca qualidade e originalidade. Todos os produtos da (think) out são de design nacional e um dos nossos objetivos é que os portugueses também os usem com orgulho”, diz-nos Patrícia Rodrigues. “Por um lado, o português vai tendo uma maior consciência do seu património e da qualidade dos seus designers. Por outro, transmitimos aos turistas uma pujança criativa e uma ideia de proteção da nossa cultura. Portugal tem de aprender a valorizar a sua história e os seus costumes, não apenas para defesa da sua identidade, mas também porque pode alavancar a sua economia.”
Uma jovem marca não se afirma no mercado sem ultrapassar alguns obstáculos e a (think) out não foi exceção. “O primeiro foi o investimento inicial, que foi de capital próprio na totalidade. Isto obrigou a uma gestão rigorosa de recursos, mas permitiu uma maior liberdade na aplicação da estratégia da marca. O segundo desafio ainda é enfrentado diariamente e consiste na afirmação junto dos lojistas, cuja habituação a produtos de fraca qualidade é muito difícil de contrariar. O estigma de que o produto bom tem necessariamente de ser caro está muito enraizado, assim como a ideia de que os produtos têm de ser baratos para que os turistas os comprem. Queremos provar o contrário e que a qualidade vende.”

A sardinha é um dos símbolos fortes das coleções da (think) out.

O reconhecimento deste conceito veio cedo, com a atribuição do 1º prémio Edição do Concurso Creative Gifts 4 Concept Stores. “Começou por ser um reconhecimento da qualidade do nosso design, acrescida da possibilidade de a mostrar em duas feiras internacionais que ocorreram em Lisboa. Paralelamente, permitiu a colocação de alguns artigos em lojas do Património Cultural, aumentando a visibilidade. Também tem importância na primeira abordagem aos parceiros, pois transmite credibilidade à marca. É um cartão de visita que temos muito orgulho em utilizar.”
Para 2017, as metas da marcam passam pelo “crescimento do catálogo, consolidar a presença nos pontos de venda e atingir o break-even. Gostaríamos de estar na casa de todos os portugueses, mas também pode ser na casa de todos os turistas que nos visitam…”

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